domingo, 28 de fevereiro de 2010

Os silêncios

Não entendo os silêncios
que tu fazes
nem aquilo que espreitas
só comigo
Se escondes a imagem
e a palavra
e adivinhas aquilo
que não digo
Se te calas
eu oiço e eu invento
Se tu foges
eu sei não te persigo
Estendo-te as mãos
dou-te a minha alma
e continuo a querer
ficar contigo
***
(Maria Teresa Horta)

Se eu fosse


Se eu fosse um descascador de canela
deitar-me-ia na tua cama
e deixaria o pó amarelo da casca
na tua almofada.
Os teus seios e os teus ombros cheirariam a canela
nunca mais poderias passar no mercado
sem a profissão dos meus dedos
flutuando por cima de ti. O cego tropeçaria
certo de quem se aproximava
mesmo que tomasses banho
na chuva das calhas, na monção.
Aqui no cimo da coxa
neste macio pasto
vizinho do teu cabelo
ou do sulco
que te divide as costas. Este tornozelo.
Serás conhecida entre os estranhos
como a mulher do descascador de canela.
Só a custo te podia ver
antes do casamento
nunca te toquei
- a tua mãe nariguda, os teus irmãos tão brutos.
Enterrei as minhas mãos
em açafrão, disfarcei-as com
alcatrão de tabaco
ajudei os apicultores a colher o mel…
Uma vez que estávamos a nadar
toquei-te na água
e os nossos corpos permaneceram livres,
podias segurar-me e ser cega de cheiro
Saltaste a margem e disseste
isto é como tu tocas as outras mulheres
a mulher do cortador de relva, a filha do queimador de limão
E procuraste nas tuas mãos
o perfume desaparecido
e soubeste
como é bom
ser a filha do queimador de lima
deixada sem marca
como se lhe tivessem falado no acto do amor
como se ferida sem o prazer de uma cicatriz
Roçaste o teu ventre nas minhas mãos
no ar seco e disseste
sou a mulher do descascador
de canela.
Cheira-me.
***
(Michael Ondaatje)

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

As Pequenas Palavras


De todas as palavras escolhi água,
porque lágrima, chuva, porque mar
porque saliva, bátega, nascente
porque rio, porque sede, porque fonte.
De todas as palavras escolhi dar.
*
De todas as palavras escolhi flor
porque terra, papoila, cor, semente
porque rosa, recado, porque pele
porque pétala, pólen, porque vento.
De todas as palavras escolhi mel.
*
De todas as palavras escolhi voz
porque cantiga, riso, porque amor
porque partilha, boca, porque nós
porque segredo, água, mel e flor.
*
E porque poesia e porque adeus
de todas as palavras escolhi dor.
***

(Rosa Lobato de Faria)
(Obs: Porque nunca é tarde para homenagear quem merece. E esta senhora merece.)

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Acordo Ortográfico


Gosto do teu rosto exacto,
com o cê bem desenhado,
mesmo quando não se vê,
para te pôr, como laço
nos cabelos, o circunflexo
em que nenhum traço há-de
sair, mesmo que um pacto
roube o pê nessa pose
de pura concepção.
***
(Nuno Júdice)


Nas estantes os livros ficam
(até se dispersarem ou desfazerem)
enquanto tudo passa.
O pó acumula-se e depois de limpo
torna a acumular-se no cimo das lombadas.
Quando a cidade está suja (obras, carros, poeiras)
o pó é mais negro e por vezes espesso.
Os livros ficam, valem mais que tudo,
mas apesar do amor
(amor das coisas mudas que sussurram)
e do cuidado doméstico fica sempre, em baixo,
do lado oposto à lombada,
uma pequena marca negra do pó nas páginas.
A marca faz parte dos livros.
Estão marcados.
Nós também.
***
(Pedro Mexia)

Cala-te!

A vida, esse livro do ser
Lê-se em silêncio.
Mestre, oficia o rito
Que eu apenas respondo ao salmo,
E no resto
Nem respiro.
*
O silêncio é uma arma de três gumes
Que usamos diariamente
Para calar amarguras
Ou saltando como pumas:
Cala-te! Porque não te calas?
*
A vida, esse livro do ser
Lê-se em silêncio.
*
E a outros, se falam, um punhal
Corta sem hesitar a garganta:
Ou silêncio ou morte!
Não o sabias? Então de que te espantas?
*
Nada incomoda mais que as ciciantes
Preces, as dos que querem ser lidos
Como revistas de moda,
As dos que sabem tudo, tudo censuram,
A todos desautorizam, em altos gritos de arara.
*
Cala-te! Porque não te calas, charlatão?
*
Silêncio, que estou a cantar o fado…
Muito barulho fazeis por coisa de nada
E nada em boa justiça se aplica
Aos que bem mereciam a cadeia.
*
Nem é a autoridade dos que governam impérios
Com a pressão das armas e do dinheiro
A que mais nos ofende com censura
Sim o seu miniatural espelho
De quem nenhuma obra ousou,
Além de poluir o silêncio com mentira.
À luz da nossa vida pessoal, quem mais nos cala
É quem está mais próximo
Mas esse, porque proclama sem cadeira,
Feitos nem actos,
Por excessiva frioleira, mandemo-lo calar
Pois pouco existe, é só fala-barato.
*
Abençoados os que se calam
A ouvir.
É preciso sabedoria para reconhecer
Que ignoramos
E que outros no seu dizer
Revelam alguma mestria.
*
Falem-me em silêncio, na língua da erva
Ou na mais cantarolante dos regatos
E das aves que fazem estrugir as folhas secas
Quando as fêmeas se enamoram
Ao ver as danças dos machos.
*
A vida, esse livro tremendo,
Representa-se devagar,
Em cenário nocturno
Cortado pelo brilho da lua e pelo
Visionar da coruja.
Mais nada é preciso para tocar o astro
Excepto silêncio e cordura.
***
(Maria Estela Guedes)

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Açúcar


expectativa: um pouco da angústia que o licorne retém.
os primeiros passos sobre um vasto átrio
onde se guardavam rosas mornas como lábios.
os mesmos que diziam: "é na alegria que se constroem ninhos,
aqueles que a vida vive no conforto dos breves sentires,
no amor a branda safra das formigas, como o abraço com que me acolhes".
junto às rosas, um açucareiro azul com casinhas doces
e licor dentro, magenta, alguns duendes dormem sobre cogumelos coloridos.
os primeiros passos foram de açúcar.
***
(João Candeias)

domingo, 14 de fevereiro de 2010

Feliz Dia dos Namorados


"Às vezes, quando o desejo nos impele, amar é espontâneo, mas muitas vezes significa escolher amar, decidir amar. Caso contrário, o amor não passaria de emoção, de superficialidade, ou até de egoísmo, e não aquilo que é na sua essência profunda: algo que compromete a nossa liberdade."
(Jacques Philippe)
***
"O que ama quer a felicidade do outro. Por isso se preocupa com o outro e não com o seu próprio bem estar. O outro transforma-se no objecto dos pensamentos, sentimentos e desejos, da sua esperança e dos seus anseios. Não só vive com ele mas também para ele. Quer que o outro possa apoiar-se em si, fazer-lhe um bem."
(Jutta Burggraf)
***
"Amar não é apoderar-se do outro para completar-se, mas dar-se ao outro para completá-lo."
(Lao-Tsé)
***
"O amor, no seu conjunto, não se reduz à emoção nem ao sentimento, que não são senão alguns dos seus componentes. Um elemento mais profundo, e de longe o mais essencial de todos, é a vontade, que tem o papel de modelar o amor no homem. Na amizade - ao contrário do que sucede na simpatia - a participação da vontade é decisiva."
(Karol Wojtyla)
***
"Não existe o esquecimento total: as pegadas impressas na alma são indestrutíveis."
(Thomas De Quincey)
***

Temos todos a mesma história

Temos todos a mesma história
Várias ondas e um oceano
Vários factos e uma memória
Vários jogos e um só engano
Temos todos as mesmas lendas
E eu achava que era sozinha
Um soneto e várias emendas
Sou mil versos e uma só linha
Temos todos o mesmo medo
Dez mil passos e uma só dança
Dez mil papos e um só segredo
Dez mil dores e uma esperança
Temos todos a mesma história
E hoje a tua passa a ser minha
Meu passado tua memória
E eu passei a não ser sozinha
***
(Oswaldo Montenegro)

sábado, 13 de fevereiro de 2010

Nova Etapa


Sempre que algo acaba
Dá inicio a uma nova etapa.
*
Sabemos que nada é infinito
Se o que vivemos é bom
Vamos valorizar enquanto temos
Com laços de seda a proteger
E muito amor a distribuir.
*
Acabado o ano começa outro
Esperemos que seja sempre melhor
Sem cometer os mesmos erros
E abertos a novas situações
Procurar evoluir com os outros.
*
Por muito difícil que a etapa seja
Há sempre uma saída: Nunca desanimar.
***
(FiloMena)

Poema XVIII

Os dias não se descartam nem se somam,
são abelhas que arderam de doçura
ou enfureceram o aguilhão:
o certame continua, vão e vêm as viagens do mel à dor.
Não, não se desfia a rede dos anos: não há rede.
Não caem gota a gota de um rio: não há rio.
O sonho não divide a vida em duas metades,
nem a acção, nem o silêncio,
nem a virtude: a vida foi como uma pedra,
um só movimento,
uma única fogueira que reverberou na folhagem,
uma flecha, uma só, lenta ou activa,
um metal que subiu e desceu queimando em teus ossos.
***
(Pablo Neruda)

De volta pro aconchego


Estou de volta pro meu aconchego
Trazendo na mala bastante saudade
Querendo Um sorriso sincero, um abraço,
Para aliviar meu cansaço
E toda essa minha vontade
Que bom,
Poder estar contigo de novo,
Roçando o teu corpo e beijando você,
Prá mim tu és a estrela mais linda
Seus olhos me prendem, fascinam,
A paz que eu gosto de ter.
É duro, ficar sem você
Vez em quando
Parece que falta um pedaço de mim
Me alegro na hora de regressar
Parece que eu vou mergulhar
Na felicidade sem fim
***
(Dominguinhos)
(Este poema, apesar de ter motivações diferentes, tem sentimentos comuns aos meus.
É bom estar de volta.)