quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Este amor que nos jorra


Este amor que nos jorra – jorra e queima
em paixão que flutua ou já guerreia
contra si próprio se tornado cinza,
contra o destino se tornado areia…
Este amor é dilúvio – é fora e dentro
mesmo se sabendo que é candeia
a esmorecer em bruma, ao fogo lento
de nos deixar a dor quando se enleia
à nossa desrazão, ao fim do entendimento,
à ambígua amarração de luz e de tormento
nestas bolsas de sal às vezes cheias.
Este amor é de carne – é foz patente
de um rio sempre a crescer, sempre na esteira
do que tão perto está mesmo se ausente.
***
(João Rui de Sousa)

Conto


No meu conto,
Não havia fadas
Não havia príncipes
Não havia sapatinhos
Não havia charrete
*
No meu conto,
Havia sonhos
Havia amor
Havia saudades
*
Sem fadas ,
Não vi o príncipe
Não fui ao baile
Não fui princesa
Não perdi o sapatinho
Fui apenas gata borralheira.
***
(Flor Pedrosa)

Consente-me!!!

Saciar esta vontade,
que aguça a minha curiosidade,
de poder te amar e beijar.
Sentir o teu cheiro,
que misturado com esta flor,
exala um perfume de amor.
Permanecer sempre ao teu lado,
cativar-te, e fazer que confies,
que ainda te posso querer.
Passear com as mãos macias
pelo teu corpo, e fazer-te sentir
a maciez do meu toque.
Acariciar-te hoje,
agora e para sempre.
Envolver-me em teu corpo,
sedoso de paixão, conquistar teu coração
e demonstrar meu desejo de sedução.
***
(José Ernesto Ferraresso)

Charneca em flor


Enche o meu peito, num encanto mago,
O frémito das coisas dolorosas...
Sob as urzes queimadas nascem rosas...
Nos meus olhos as lágrimas apago...
*
Anseio! Asas abertas! O que trago em mim?
Eu oiço bocas silenciosas
Murmurar-me as palavras misteriosas
Que perturbam meu ser como um afago!
*
E, nesta febre ansiosa que me invade,
Dispo a minha mortalha, o meu burel,
E já não sou, Amor, Soror Saudade...
*
Olhos a arder em êxtases de amor,
Boca a saber a sol, a fruto, a mel:
Sou a charneca rude a abrir em flor.
***
(Florbela Espanca)