terça-feira, 26 de junho de 2012

As pedras




As pedras falam? pois falam 
 mas não à nossa maneira, 
 que todas as coisas 
sabem uma história que não calam. 
 * 
 Debaixo dos nossos pés 
ou dentro da nossa mão 
 o que pensarão de nós? 
 O que de nós pensarão? 
 * 
 As pedras cantam nos lagos
 choram no meio da rua 
 tremem de frio e de medo 
 quando a noite é fria e escura. 
 * 
 Riem nos muros ao sol, 
 no fundo do mar se esquecem. 
 Umas partem como aves 
 e nem mais tarde regressam. 
 * 
 Brilham quando a chuva cai. 
 Vestem-se de musgo verde 
 em casa velha ou em fonte 
 que saiba matar a sede. 
 * 
 Foi de duas pedras duras 
 que a faísca rebentou: 
 uma germinou em flor 
 e a outra nos céus voou. 
 * 
 As pedras falam? pois falam. 
 Só as entende quem quer, 
 que todas as coisas 
têm uma coisa para dizer. 
 ***
  1. (Maria Alberta Menéres)


Porque o fim de um caminho...


Porque o fim de um caminho sempre me entregou
 o limiar de outro caminho,
 o verde de um campo ou de um corpo adolescente,
 espero que regresse à minha voz
 a luz que no primeiro dia a fecundou
 e a terra que é contorno dessa luz.
*
 Porque espero ver crescer minhas mãos dessa terra
 e de minhas mãos a água necessária à minha sede,
 ergo de mim a noite residual do que vivi
 e canto,
 canto provocando a madrugada.
*
 Porque outros entoarão meu requiem e outros cerrarão
 minhas pálpebras para defender meus olhos de suas lágrimas,
 deixo essa glória aos outros
 - e exalto o meu nascimento
 e cada dia em que renasço e procuro
 a boca ou o fruto onde se reflitam os meus lábios.
*
 Porque, harmonizando-se no sangue o fogo e a água,
 eu sou o fogo e a água:
 por mim os cadáveres
e quanto é feito da matéria dos cadáveres
 libertar-se-ão em chamas, serão claridade
 e chegarão a pão pela dádiva das cinzas,
 a última dádiva, a total.
 ***
(José Bento)

Corpos


Teu corpo é arco
na ponta dos meus dedos
três leves polpas
na flor da minha mão
com que inflamo a manhã
no teu ventre.
*
 mergulhado
nos teus braços
envolto em lábios,
em perfume.
*
 em beijos,
na água do teu pescoço
brando de rosas
nos picos doces
no peito leve.
*
 Quando somos amor
nossos corpos são arcos
***
(José Jorge Frade)

Paráfrase


Este poema começa por te comparar 
com as constelações, 
com os seus nomes mágicos 
e desenhos precisos, 
e depois 
um jogo de palavras indica 
que sem ti a astronomia 
é uma ciência infeliz. 
Em seguida, duas metáforas
 introduzem o tema da luz
 e dos contrastes petrarquistas 
que existem na mulher amada, 
no refúgio triste da imaginação. 
*
 A segunda estrofe sugere 
que a diversidade de seres vivos 
prova a existência de Deus 
e a tua, ao mesmo tempo 
que toma um por um 
os atributos 
que participam da tua natureza 
e do espaço criador 
do teu silêncio. 
*
 Uma hipérbole, finalmente, 
diz que me fazes muita falta. 
*** 
(Pedro Mexia)