segunda-feira, 29 de setembro de 2008

O amor quando se revela...


O amor, quando se revela,
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar p'ra ela,
Mas não lhe sabe falar.
*
Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há de dizer.
Fala: parece que mente
Cala: parece esquecer
*
Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
Pra saber que a estão a amar!
*
Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!
*
Mas se isto puder contar-lhe
O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar...
(Fernando Pessoa)

sábado, 20 de setembro de 2008

O impossível carinho


Escuta, eu não quero contar-te o meu desejo
Quero apenas contar-te a minha ternura
Ah!... Se em troca de tanta felicidade que me dás
Eu te pudesse repor
- Eu soubesse repor -
No coração despedaçado
As mais puras alegrias de tua infância!
(Manuel Bandeira)

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

O teu riso


Tira-me o pão, se quiseres,
tira-me o ar,
mas não me tires o teu riso.
*
Não me tires a rosa,
a lança que desfolhas,
a água que de súbito
brota da tua alegria,
a repentina onda
de prata que em ti nasce.
*
A minha luta é dura
e regresso com os olhos cansados
às vezes por ver
que a terra não muda,
mas ao entrar teu riso
sobe ao céu a procurar-me
e abre-me todasas portas da vida.
*
Meu amor,
nos momentos mais escuros
solta o teu riso e,
se de súbito vires que o meu sangue
mancha as pedras da rua,
ri,
porque o teu riso será para as minhas mãos
como uma espada fresca.
*
À beira do mar, no outono,
teu riso deve erguer sua cascata de espuma,
e na primavera, amor,
quero teu riso como a flor que esperava,
a flor azul,
a rosa da minha pátria sonora.
*
Ri-te da noite,
do dia, da lua,
ri-te das ruas tortas da ilha,
ri-te deste grosseiro rapaz que te ama,
mas quando abro os olhos e os fecho,
quando meus passos vão,
quando voltam meus passos,
nega-me o pão, o ar,
a luz, a primavera,
mas nunca o teu riso,
porque então morreria.
(Pablo Neruda)

domingo, 14 de setembro de 2008

Amor é...


Estar em ti e simplesmente ser e sentir...
É fechar os olhos e sonhar um sonho,
que não quero que acabe nunca...
É inalar o doce aroma que acaricia os nossos momentos...
É escutar um hino que escrevemos juntos,
Em nós, no nosso silêncio...
É viajar por entre o universo,

Onde se perde o infinito.
É subir ao céu e tocar as estrelas...
É deixar-me envolver pelas suas asas,

Sabendo que na sua plumagem se esconde uma espada...
É acreditar na voz que pode quebrar os meus sonhos,

Como o vento do Inverno que sacode os jardins...
É sentir-me árvore cujo sol acaricia os meus frágeis ramos,

Como também abana e sacode as minhas raízes de apego à terra...
É ser crivado pelas mãos do artesão,

Com a subtileza de quem separa o trigo do joio....
É ser moído e triturado,

até ao mais puro e singelo branco...
É ser amassado e ficar maleável,

Pronto para crescer no teu fogo...
É percorrer o caminho da Vida...

Onde posso rir todos os meus risos,
Onde posso chorar todas as minhas lágrimas...
Assim é o Amor.

O amor que se alimenta de si próprio,
O amor cujo rio não deve ser guiado...
É conhecer a dor da excessiva ternura,

É sangrar feliz.
É acordar preenchido e agradecer mais um dia,

É repousar a meio do dia e ser invadido pelo pensamento
Estival de uma tarde de Outono.
É regressar a casa no corolário das emoções,

Adormecer enroscado num beijo teu...
Se assim é o Amor,

Então descobri em ti o caminho da minha vida,
O caminho do meu conhecimento.
Elevo a minha voz aos céus,

E com a força da imensidão do mar,
Mas com a fragilidade e ternura da sua espuma,

Digo-te...
Amo-te, luz de minh’alma...
Amo-te, pedaço de mim...
(Catherine*)

Se eu pudesse...

Se eu pudesse trincar a terra toda
E sentir-lhe um paladar,
Seria mais feliz um momento...
Mas eu nem sempre quero ser feliz,
É preciso ser de vez quando infeliz
Para se poder ser natural...
*
Nem tudo é dias de sol,
E a chuva, quando falta muito, pede-se.
Por isso tomo a infelicidade com a felicidade
Naturalmente, como quem não estranha
Que haja montanhas e planícies
E que haja rochedos e erva...
*
O que é preciso é ser-se natural e calmo
Na felicidade ou na infelicidade,
Sentir como quem olha,
Pensar como quem anda,
E quando se vai morrer,
Lembrar-se de que o dia morre,
E que o poente é belo e é bela a noite que fica...
Assim é e assim seja...
(Alberto Caeiro)

O Vento


Queria transformar o vento.
Dar ao vento uma forma concreta e apta a foto.
Eu precisava pelo menos de enxergar uma parte física do vento:
uma costela, o olho...
Mas a forma do vento me fugia que nem as formas de uma voz.
Quando se disse que o vento empurrava a canoa do índio para o barranco
Imaginei um vento pintado de urucum a empurrar a canoa do índio para o barranco.
Mas essa imagem me pareceu imprecisa ainda.
Estava quase a desistir quando me lembrei do menino montado no cavalo do vento
- que lera em Shakespeare.
Imaginei as crinas soltas do vento a disparar pelos prados com o menino.
Fotografei aquele vento de crinas soltas.

(Manoel de Barros)

sábado, 13 de setembro de 2008

Simples, mágica


De repente você chega em minha vida
De mansinho se aconchega nos meus braços
E me fala de amor e de carinho
E se enrosca docemente em meu abraço
*
De repente você entra no meu mundo
E descobre subtilmente os meus segredos
E me envolve com esses olhos tão profundos
E me beija com essa boca tão macia
*
Ah, você quem será, linda, mágica
Ah, você quem será, linda, mágica
*
Esse riso tão gostoso, esse seu jeito
Esse rosto e essa pele que me queima
Essa coisa tão bonita no meu peito
Esse amor que o coração não faz segredo
*
Eu me deixo envolver por seus carinhos
Nada importa eu já não tenho o que temer
Docemente eu desvendo seus caminhos
E descanso no seu corpo os meus sonhos de amor
*
Livre, solto, simples mágica
Ah, você, quem será, linda, mágica
(Roberto Carlos)

Sonetos


(...)
Conversando a sós contigo
Desfruto o prazer imenso
De não pensar no que digo
E de dizer o que penso.
*
E mais uma vez afirmo
Sem receio que seja desmentido
- A maior felicidade
É ser-se compreendido.
**
(...)
Se para possuir o que me é dado
Tudo perdi e eu próprio andei perdido
Se para ver o que hoje é realizado,
Cheguei a ser negado e combatido
*
Se para estar agora apaixonado
Foi necessário andar desiludido
Alegra-me sentir que fui odiado
Na certeza imortal de ter vencido.
**

(António Botto)

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Amor a sangue frio


Do silêncio acordado em pleno dia
ao selvagem frenesi dos meus sonhos
por mim passam, dissonantes,
medonhos alaridos de uma irada histeria
*
Um psicopata a mil mortes por hora

almejando do sentir o sentido
com o gume do seu verso o desflora
violando o seu fundo adormecido
*
Desenho borboletas no teu dorso

Quimera a sangue frio da impaciência
a que as minhas mãos quentes obedecem
*
Almas confusas e sós estremecem

sob destroços do caos, da contingência
Bolas de neve rolam sem remorso
(Nuno Homem Cardoso)

domingo, 7 de setembro de 2008

Um dia


Um dia, tal como tu,
sairei do lugar onde me sentes.
A teu lado, algures por aí,
talvez nos encontremos.
Se tiver tempo, aviso cedo.
Na verdade,
nunca deixei
de te ver dentro de mim
(Eduardo Graça)

Escrevo


Escrevo para não sufocar entre as grades da escuridão.
Escrevo porque não posso adiar o coração.
Escrevo porque há olhos atlânticos onde apetece velejar e cabelos flutuando à proa dos sonhos.
Escrevo porque há palavras e gestos que ainda baloiçam no jardim das delícias.
Escrevo contra as certezas, as leis, a moral e a rotina.
Escrevo porque acredito nos mandamentos da natureza e em instantes eternos.
Escrevo porque falas da vida com a doçura de uma açucena.
(Alberto Serra)

Que o vento me leve para de onde me trouxe...


Como eu queria ser livre...
Voar num espaço sem fim,
Ir ao mais fundo das profundezas
Onde não houvesse mágoas,

dores ou tristezas.
Correr para ti,
Sentir o Absoluto,
Esquecer completamente
Este mundo maluco.
Mas não consigo...
Não posso ser livre.
Estou muito presa á matéria
E ao mundo da miséria!

(Micah)

sábado, 6 de setembro de 2008

Vós


Vós...
Jardim de minh’alma,
Onde me encontro e deleito,
Onde sinto e estremeço...
*
Luz de minh’alma,
Que me ilumina e aquece,
Que preenche o coração,
Que se expande em mim...
*
Orvalho cristalino,
Névoa da primavera,
Vento do outono...
*
Chuva de verão,
Erva de estio,
Sorriso de violeta,
Olhar de narciso...
*
Momento que retenho,
Que em mim sorri,
Onde fico e anseio,

Assim sois vós,
Pois já não sou que moro em mim,
Mas Vós que habitais,
O templo do meu coração...
*
Peço-vos que ficais,
Já choram os pássaros,
Lacrimejam os peixes,
Escrevo com lágrimas um leque...
*
Ficai...


preciso de Vós.


(Catherine*)

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Vaidade


Sonho que sou a poetisa eleita,
Aquela que diz tudo e tudo sabe,
Que tem a inspiração pura e perfeita,
Que reúne num verso a imensidade!
*
Sonho que um verso meu tem claridade
Para encher todo o mundo! E que deleita
Mesmo aqueles que morrem de saudade!
Mesmo os de alma profunda e insatisfeita!
*
Sonho que sou Alguém cá neste mundo...
Aquela de saber vasto e profundo,
Aos pés de quem a Terra anda curvada!
*
E quando mais no céu eu vou sonhando,
E quando mais no alto ando voando,
Acordo do meu sonho... E não sou nada!...
(Florbela Espanca)

Rumor


Acorda-me
um rumor de ave.
Talvez seja a tarde
a querer voar.

A levantar do chão
qualquer coisa que vive,
e é como um perdãoque não tive.

Talvez nada.
Ou só um olhar
que na tarde fechada
é ave.

Mas não pode voar.
(Eugénio de Andrade)

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

...


I
Sim, farei...;
e hora a hora passa o dia...
Farei, e dia a dia passa o mês...
E eu, cheio sempre só do que faria,
Vejo que o que faria se não fez,
De mim, mesmo em inútil nostalgia.
*
Farei, farei...

Anos os meses são
Quando são muitos-anos, toda a vida,
Tudo...
E sempre a mesma sensação
Que qualquer cousa há-de ser conseguida,
E sempre quieto o pé e inerte a mão...
*
Farei, farei, farei...

Sim, qualquer hora
Talvez me traga o esforço e a vitória,
Mas será só se mos trouxer de fora.
Quis tudo -- a paz, ilusão, a glória...
Que obscuro absurdo a minha alma chora?

II
Farei talvez um dia um poema meu,

Não qualquer cousa que, se eu a analiso,
É só a teia que se em mim teceu
De tanto alheio e anónimo improviso
Que ou a mim ou a eles esqueceu...
*
Um poema próprio, em que me vá o ser,

Em que eu diga o que sinto e o que sou,
Sem pensar, sem fingir e sem querer,
Como um lugar exacto, o onde estou,
E onde me possam, como sou, me ver.
*
Ah, mas quem pode ser o que é?

Quem sabe
Ter a alma que tem?
Quem é quem é?
Sombras de nós, só reflectir nos cabe.
Mas reflectir, ramos irreais, o quê?
Talvez só o vento que nos fecha e abre.

III
Sossega, coração!

Não desesperes!
Talvez um dia, para além dos dias,
Encontres o que queres porque o queres.
Então, livre de falsas nostalgias,
Atingirás a perfeição de seres.
*
Mas pobre o sonho o que só quer não tê-lo!

Pobre esperança a de existir somente!
Como quem passa a mão pelo cabelo
E em si mesmo se sente diferente,
Como faz mal ao sonho o concebê-lo!
*
Sossega, coração, contudo!

Dorme!
O sossego não quer razão nem causa.
Quer só a noite plácida e enorme,
A grande, universal, solene pausa
Antes que tudo em tudo se transforme.
(Fernando Pessoa)

Fado de uma vida


Amanhecer faz-nos pensar.
Sem depender d'onde estamos,
Nasce a força devagar.
Uma luz que precisamos
Uma luz para navegar.
Amanhecer faz-nos sentir
Sem depender quem somos,
Uma força parece unir,
Ser o que já fomos
Ser Grande e partir.
(Luís Alvelos)

Matilde

Quando ali cheguei, ali estava.
Sorriso inocente, tez pálida.
Olhar profundo e intenso...
Que se confunde com o céu.
Azul sua cor...
Como se não houvesse limite
E onde as cores se confundem
Entre a infinidade das emoções
E a dimensão corpórea.
*
Matilde...
Rosto cristalino,
Outrora cinzelado pelas mãos de um anjo.
Gestos delicados e precisos.
Uma lágrima...
Gota de orvalho que escorre...
Que percorre os poros de sua pele,
Que vence os sulcos.
Elevando a força de querer.
Querer amar e transformar
O seu percurso em rio,
E desaguar na imensidão da inocência,
Estado de leveza que será o seu amor,
E jamais a tornará num pântano...
*
Matilde...
Assim foi...
Assim ali fiquei...
(Catherine*)