quarta-feira, 25 de maio de 2011

Primeiro encontro



Veio da virtual imensidão
Como quem sai dum sonho ao acordar.
Ofereceu-me a face, para a beijar,
Com o rubor feliz duma emoção.
Convidei-a prá minha refeição.
E as velas sobre a mesa do jantar
Brilhavam no azul do seu olhar
Como estrelas no Céu duma ilusão.
O que comemos? Sei lá se comemos,
Que em profundos olhares nos perdemos
Como quem enlouquece a pouco e pouco.
Nem sei sequer se lhe falei de amor
Nesse meu derradeiro esplendor:
Última lucidez de quem está louco.

***

(Cândido Felisteu)

Duas faces



Sou o espanto
sou a dor
sou o desencanto.
No entanto,
tão serena
sou amor, só amor.

***

(Odaísa T. do Nascimento Narcizo)


De ti



De ti fiz a harpa e a lira,
a guitarra.
Outra música não sei.

***

(Albano Martins)

terça-feira, 24 de maio de 2011

Revolta em palavras



Desilusão é a terra que piso,

Frustração é a imagem que me cerca!

*

Desamparo é a brisa que me toca,

Incapacidade é o que me obriga!

*

Precariedade é o que me alimenta,

Abuso é o que me emprega!

*

No meio de tanto negativismo,

Que palavra utilizo para terminar?

*

Talvez aquela, que depois de me visitar,

já não me permite escrever, nem dizer!

***

(Olga Silva)

despedida



ainda tenho a música

no ouvido

e as imagens fantasiadas

plantadas na íris

*

das palavras

escritas com emoção

retiradas de uma alma

exposta

e a nu o coração desfeito

*

chegou o momento

doce tormento

desta saudosa

despedida

***

(Paulo Afonso Ramos)

O Boi da Paciência



Teoricamente livre para navegar entre estrelas

minha vida tem limites assassinos

Supliquei aos meus companheiros: Mas fuzilem-me!

Inventei um deus só para que me matasse

Muralhei-me de amor

e o amor desabrigou-me

Escrevi cartas a minha mãe desesperadas

colori mitos e distribuí-me em segredo

e ao fim e ao cabo

recomeçar

Mas estou cansado de recomeçar!

***

(António Ramos Rosa)

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Romance ingénuo de duas linhas paralelas



Duas linhas paralelas

Muito paralelamente

Iam passando entre estrelas

Fazendo o que estava escrito:

Caminhando eternamente de infinito a infinito

*

Seguiam-se passo a passo

Exactas e sempre a par

Pois só num ponto do espaço

Que ninguém sabe onde é

Se podiam encontrar

Falar e tomar café.

*

Mas farta de andar sozinha

Uma delas certo dia

Voltou-se para a outra linha

Sorriu-lhe e disse-lhe assim:

“Deixa lá a geometria

E anda aqui para o pé de mim…!

*

Diz a outra: “Nem pensar!

Mas que falta de respeito!

Se quisermos lá chegar

Temos de ir devagarinho

Andando sempre a direito

Cada qual no seu caminho!”

*

Não se dando por achada

Fica na sua a primeira

E sorrindo amalandrada

Pela calada, sem um grito

Deita a mãozinha matreira

Puxa para si o infinito.

*

E com ele ali à frente

As duas a murmurar

Olharam-se docemente

E sem fazerem perguntas

Puseram-se a namorar

Seguiram as duas juntas.

*

Assim nestas poucas linhas

Fica uma estória banal

Com linhas e entrelinhas

E uma moral convergente:

O infinito afinal

Fica aqui ao pé da gente.

***

(José Fanha)

Carta de um contratado




Eu queria escrever-te uma carta

amor,uma carta que dissesse

deste anseio

de te ver

deste receio

de te perder

deste mais bem querer que sinto

deste mal indefinido que me persegue

desta saudade a que vivo todo entregue…
Eu queria escrever-te uma carta

amor,
uma carta de confidências íntimas,

uma carta de lembranças de ti,

de ti

dos teus lábios vermelhos como tacula

dos teus cabelos negros como dilôa

dos teus olhos doces como maboque
do teu andar de onça

e dos teus carinhos

que maiores não encontrei por aí…
Eu queria escrever-te uma carta

amor,

que recordasse nossos tempos a capopa

nossas noites perdidas no capim

que recordasse a sombra que nos caía dos jambos

o luar que se coava das palmeiras sem fimqu

e recordasse a loucura

da nossa paixão

e a amargura da nossa separação…
Eu queria escrever-te uma carta

amor,que a não lesses sem suspirar

que a escondesses de papai Bombo

que a sonegasses a mamãe Kieza

que a relesses sem a frieza

do esquecimento

uma carta que em todo o Kilombo

outra a ela não tivesse merecimento…
Eu queria escrever-te uma carta

amor,

uma carta que ta levasse o vento que passa

uma carta que os cajús e cafeeiros

que as hienas e palancas

que os jacarés e bagres

pudessem entender

para que o vento a perdesse no caminho

os bichos e plantas

compadecidos de nosso pungente sofrer

de canto em canto

de lamento em lamento

de farfalhar em farfalhar
te levassem puras e quentes

as palavras ardentes

as palavras magoadas da minha carta

que eu queria escrever-te amor….
Eu queria escrever-te uma carta…
Mas ah meu amor, eu não sei compreender

por que é, por que é, por que é, meu bem

que tu não sabes ler

e eu – Oh! Desespero! – não sei escrever também!
***


(António Jacinto)

Paixão



Ficávamos no quarto até anoitecer, ao conseguirmos

situar num mesmo poema o coração e a pele quase podíamos

erguer entre eles uma parede e abrir

depois caminho à água.

*

Quem pelo seu sorriso então se aventurasse achar-se-ia

de súbito em profundas minas, a memória

das suas mais longínquas galerias

extrai aquilo de que é feito o coração.

*

Ficávamos no quarto, onde por vezes

o mar vinha irromper. É sem dúvida em dias de maior

paixão que pelo coração se chega à pele.

Não há então entre eles nenhum desnível.

***




(Luís Miguel Nava)

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Final



De mãos escassas nuas a flor frágil

renasce sem motivo senão vê-la

tardia nos caminhos

que até aqui me trouxeram, e a surpresa,

a nitidez dos colos tranquilos

onde as searas são o dia-a-dia

já maduras e a estrada que entre os campos

me leva desconheço hoje para onde

nem como nem porquê entre cidades

e plainos navegando e vendo as árvorese

o seu perfil exacto contra o céu.

Digo-me tanto aqui hei-de passar

que um dia o silêncio se abrirá

no rasto que existia na memória

e as lembranças se irão, morto estava

o desejo de flores e as mãos escassas

preparavam o seu fim

sem que a pena ou o medo as desviasse.

***

(Nuno Dempster)

Flores



Era preciso agradecer às flores

Terem guardado em si,

Límpida e pura

Aquela promessa antiga

De uma manhã futura.

***

(Sophia de Mello Breyner Andressen)


domingo, 1 de maio de 2011

Eternamente Mãe

MÃE...

que na presença constante me ensinou

na pureza do seu coração

a vislumbrar caminhos...

*

MÃE...

dos primeiros passos,

das primeiras palavras...

*

MÃE...

do amor sem dimensão, de cada momento,

dos atos de cada capítulo de minha vida não ensaiados,

mas vividos em cadaemoção...

*

MÃE...

da conversa no quintal,

do acalanto do meu sono aquecido de amor,

aninhada em seu coração...

*

MÃE ...

do abraço,

do beijo que levo na lembrança...

*

MÃE...

é você que me inspira a caminhar...

*

MÃE...

a presença de cada passo que o tempo não apaga:

por mais longo e escuro que seja o caminho,

haverá sempre um horizonte...

*

MÃE...

Mulher a quem devemos a vida,

que merece o nosso respeito,

nossa gratidão e nosso afeto.

***

(Autor Desconhecido)


(Dedicado à minha querida mãe e a todas as outras maravilhosas mães espalhadas por esse mundo fora... e são tantas, felizmente.)