segunda-feira, 13 de maio de 2019

Quis


Quis voltar
e fiquei.
Quis perder
e venci.
Quis sonhar
e acordei.
Quis ser criança
e cresci.
Quis chorar
e sorri.
Quis começar
e acabei,
por não
saber o que queria de mim.

***
(José Miguel Costa)

Mendigo


Para que me serve ter memória,
Quando vivo esta triste história.
Nada é como contavam os antigos,
Pois o amor faz-nos sentir mendigos,
Esquecidos numa qualquer esquina de rua
Que bem podia ser a tua.
Protegendo-me do frio e da dor,
Vivo debaixo deste velho cobertor,
Implorando a Deus outra oportunidade,
Outra vida, um resquício de sinceridade.
Mas continuo perdido na recordação,
Suspenso e indigno de consideração,
Pelos que por cima de mim estão a passar
Com o único objectivo de me pisar.
Sou somente o momento de um solstício,
Um zé-ninguém, um mero desperdício,
Uma mentira cheia de verdade,
Branca escuridão na mais negra claridade.
Não sei como irá ser a continuação
Desta solene e infeliz oração,
Que é viver uma vida sem alguma paixão,
Num mundo sem a mínima compaixão.

***
(Dias Miguel)

Quando as crianças brincam


Quando as crianças brincam
E eu as oiço brincar,
Qualquer coisa em minha alma
Começa a se alegrar.
E toda aquela infância
Que não tive me vem,
Numa onda de alegria
Que não foi de ninguém.
Se quem fui é enigma,
E quem serei visão,
Quem sou ao menos sinta
Isto no coração.

***
(Fernando Pessoa)

Aqui


aqui
nesta pedra
alguém sentou
olhando o mar
o mar não parou
pra ser olhado
foi mar
pra tudo quanto é lado

***
(Paulo Leminsky)