domingo, 24 de janeiro de 2010

Até breve

É com esta bela imagem que encerro o meu blogue por tempo indeterminado.
Uma imagem que desejo poder ver um dia, ao vivo e a cores, com vida e protagonizada por uma das muitas crianças que sofrem neste momento.
Farei a minha parte, o que me for possível para a tornar uma realidade.

Gosto desta partilha, gosto de ter este blogue e foi e será sempre um prazer mantê-lo, mas, por agora, outros valores falam mais alto e me levam para longe daqui.
Daqui, onde a maior parte de nós se queixa ser difícil viver e critica tudo e todos, mas se pensarmos bem, se olharmos à nossa volta e prestarmos atenção ao que se passa lá fora, perceberemos que talvez nem tenhamos sequer o direito de nos queixarmos de nada, tal é a desgraça, a miséria e a tristeza que se vê por este mundo fora.

A todas as pessoas que seguiram este cantinho de Poesia em Flor, o meu obrigada e o meu desejo de que sejam muito felizes.
Até breve...

Os dois horizontes


Dois horizontes fecham nossa vida:
Um horizonte, — a saudade
Do que não há de voltar;
Outro horizonte, — a esperança
Dos tempos que hão de chegar;
No presente, — sempre escuro,—
Vive a alma ambiciosa
Na ilusão voluptuosa
Do passado e do futuro.
*
Os doces brincos da infância
Sob as asas maternais,
O vôo das andorinhas,
A onda viva e os rosais;
O gozo do amor, sonhado
Num olhar profundo e ardente,
Tal é na hora presente
O horizonte do passado.
*
Ou ambição de grandeza
Que no espírito calou,
Desejo de amor sincero
Que o coração não gozou;
Ou um viver calmo e puro
À alma convalescente,
Tal é na hora presente
O horizonte do futuro.
*
No breve correr dos dias
Sob o azul do céu, — tais são
Limites no mar da vida:
Saudade ou aspiração;
Ao nosso espírito ardente,
Na avidez do bem sonhado,
Nunca o presente é passado,
Nunca o futuro é presente.
*
Que cismas, homem?
– Perdido
No mar das recordações,
Escuto um eco sentido
Das passadas ilusões.
Que buscas, homem? – Procuro,
Através da imensidade,
Ler a doce realidade
Das ilusões do futuro.
*
Dois horizontes fecham nossa vida.
***
(Machado de Assis)

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Lágrimas


As lágrimas que rolam no meu rosto
são sinais
da tristeza e do desgosto
por não aguentar mais.
*
Se o sal das lágrimas temperasse
as mágoas do dia a dia
e houvesse quem as secasse
mais feliz me sentiria.
*
Se as lágrimas fossem flores
tudo ao meu redor estaria florido
perfumando as minhas dores
e tudo que tenho sofrido.
***
(Micá)

À procura


A palavra solta-se alada
Correndo para além dos limites.
Tangível,
Tocante
Provocadoramente imemorial.
Na volta do tampo,
No rodar da saia
Vai
À procura do som do vento
À procura de uma boca para morar
No sorriso,
Para varrer as sombras da noite
Relembrando o canto do rouxinol.

A palavra dança na boca do sonho.
O sonho sonha com o riso da água,
A água sente o chapinhar do menino
Na borda do rio.
A palavra ancorada no fio da luz
Solta gemidos sentidos,
Leva recados do tempo
Vai até ti.
***
(Maria José Areal)

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

20 Aniversario Palabras




20 años de estar juntos
esta tarde se han cumplido
para ti flores, perfumes
para mi, algunos libros
No te he dicho grandes cosas
porque no me habrian salido
ya sabes cosas de viejos
requemor de no haber sido.
Hace tiempo que intentamos
abonar nuestro destino
tu bajabas la persiana
yo apuraba mi ultimo vino.
Hoy en esta noche fria
casi como ignorando el sabor
del la soledad compartida
quise hacerte una cancion
para cantar despacito
como se duerme a los niños
y ya ves,solo palabras
sobre notas me han salido
que al igual que tu y que yo
ni se importan ni se estorban
se soportan amistosas.
mas no son una cancion
que helada esta casa !
sera que esta cerca el rio
o es que estamos en invierno
y estan llegando,estan llegando...
los frios.
20 años de estar juntos
esta tarde se han cumplido
para ti flores, perfumes
para mi, algunos libros

***

(Patxi Andion)

(Dedico este lindo poema ao meu irmão Duarte e minha cunhada Esmeralda)

As máscaras


Piedade para estes séculos e seus sobreviventes
alegres ou maltratados, o que não fizemos
foi por culpa de ninguém, faltou aço:
nós o gastamos em tanta inútil destruição,
não importa no balanço nada disto:
os anos padeceram de pústulas e guerras,
anos desfalecentes quando tremeu a esperança
no fundo das garrafas inimigas.
Muito bem, falaremos alguma vez, algumas vezes,
com uma andorinha para que ninguém escute:
tenho vergonha, temos o pudor dos viúvos:
morreu a verdade e apodreceu em tantas fossas:
é melhor recordar o que vai acontecer:
neste ano nupcial não há derrotados:
coloquemo-nos, cada um, máscaras vitoriosas.
***
(Pablo Neruda)

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Lúbrica


Mandaste-me dizer,
No teu bilhete ardente,
Que hás de por mim morrer,
Morrer muito contente.
*
Lançaste no papel
As mais lascivas frases;
A carta era um painel
De cenas de rapazes!
*
Ó cálida mulher,
Teus dedos delicados
Traçaram do prazer
Os quadros depravados!
*
Contudo, um teu olhar
É muito mais fogoso,
Que a febre epistolar
Do teu bilhete ansioso:
*
Do teu rostinho oval
Os olhos tão nefandos
Traduzem menos mal
Os vícios execrandos.
*
Teus olhos sensuais,
Libidinosa Marta,
Teus olhos dizem mais
Que a tua própria carta.
*
As grandes comoções
Tu, neles, sempre espelhas;
São lúbricas paixões
As vívidas centelhas…
*
Teus olhos imorais,
Mulher, que me dissecas,
Teus olhos dizem mais,
Que muitas bibliotecas!
***
(Cesário Verde)

Soneto Antigo


Responder a perguntas não respondo.
Perguntas impossíveis não pergunto.
Só do que sei de mim aos outros conto:
de mim, atravessada pelo mundo.
*
Toda a minha experiência, o meu estudo,
sou eu mesma que, em solidão paciente,
recolho do que em mim observo e escuto
muda lição, que ninguém mais entende.
*
O que sou vale mais do que o meu canto.
Apenas em linguagem vou dizendo
caminhos invisíveis por onde ando.
*
Tudo é secreto e de remoto exemplo.
Todos ouvimos, longe, o apelo do Anjo.
E todos somos pura flor de vento.
***
(Cecília Meireles)

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Primeira água


Apaguei os olhos e me deitei no luar
aprisionando algumas estrelas em mim.
O canto dos ventos nas rochas era lento
assim como uma cantiga de ninar criança
estendida além das horas, além do tempo.
Na boca ainda guardava o sabor carmim
do vinho que sorvi com a alegria que buscava.
Pude ouvir a chegada do silêncio devagar
no navegar asas abertas dos meus sonhos.
Pude sentir o frescor da fonte e enchi
meu copo vazio. Primeira água da manhã.
Bebi gole longo e com ele veio o sol
emergindo do horizonte como a bola de
sabão se solta do canudo,vagarosamente,
se libertando na brisa acordando o dia.
Abri meus braços com preguiça, como fazem
as gaivotas com os papos cheios de peixes.
Abri as cortinas do meu olhar e percebi
que o mundo havia virado poema novamente
Então cantarolei como nunca antes e sorri.
***
(António Miranda Fernandes)

Caminho de uma vida


Vida tão concisa,
Sentida na sua futilidade,
Segue seu rumo e nunca avisa,
Traça e desenha a minha personalidade.

Alma só e tão vazia,
Vive rodeada de existência,
Um sorriso oferecido dia após dia,
Irreconhecível na sua essência.

Neste caminho sem sentido,
Arduamente percorrido,
Pedaços de mim deixo ficar,
Sinto-me mudar.

Uma mudança gélida e forçada,
Que molda lentamente,
Esta alma triste e cansada,
Tornando-a frígida e descrente.

O Presente é demoroso,
Sente-se ofegante,
Nervoso e saudoso,
Por um Futuro que é distante.
***
(Patrícia Santos)

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Olho a sua boca


Olho a sua boca.
Tanto que vem
o punhal da luz
levar-me os olhos.
O carvão, a cinza dos
meus olhos.
Os seus.
A sua boca,o sulco
onde me pergunta
e eu respondo.
A morrer,
a olhar anavalhado
o seu brilho bravio.
Sons de sirenes, uivos,
estrondos, desabamentos,
ravinas donde rompe o amor.
A sua boca.
***

(Joaquim Manuel Magalhães)

Até ao fim


Mas é assim o poema:
construído devagar,
palavra a palavra,
e mesmo verso a verso,
até ao fim.
O que não sei é como acabá-lo;
ou, até, se o poema quer acabar.
Então, peço-te ajuda:
puxo o teu corpo
para o meio dele,
deito-o na cama da estrofe,
dispo-o de frases
e de adjectivos até te ver,
tu,
o mais nu dos pronomes.
Ficamos assim.
Para trás,
palavras e versos,
e tudo o que
não é preciso dizer:
eu e tu,
chamando o amor
para que o poema acabe.
***
(Nuno Júdice)

domingo, 3 de janeiro de 2010

Feliz 2010


Votos de um 2010 repleto de alegrias, boas surpresas, muito amor e, claro, muita poesia... para os que gostam.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Receita de Ano novo


Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor de arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação
como todo o tempo já vivido
(mal vivido ou talvez sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser,
novo até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanhe ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens? passa telegramas?).
Não precisa fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar de arrependido
pelas besteiras consumadas
nem parvamente acreditar que,
por decreto da esperança,
a partir de Janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados,
começando pelo direito augusto de viver.
Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo de novo,
eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.
***
(Carlos Drummond de Andrade)