quinta-feira, 29 de julho de 2010

O que temos


Deixei contigo o meu amor,
música de açúcar a meio da tarde,
um botão de vestido por apertar
e o da vida por desapertar,
a flor que secou nas páginas de um livro,
tantas palavras por dizer
e a pressa de chegar
com o azul do céu à saída,
por entre cafés fechados e um por abrir.
*
Mas trouxe comigo o teu amor,
os murmúrios que o dizem quando os lembro,
a supresa de um brilho no olhar,
brinco perdido em secreto campo,
o remorso de partir ao chegar
e tudo descobrir de cada vez,
mesmo que seja igual ao que vês
neste caminho por encontrar
em que só tu me consegues guiar.
*
Por isso tenho tudo o que preciso,
mesmo que nada nos seja dado;
e basta-me lembrar o teu sorriso
para te sentir ao meu lado.
***
(Nuno Júdice)
(Obrigada! E que esta singela palavra te diga tudo aquilo que não escrevo aqui.)

Sonhei comigo...


Sonhei comigo esta noite
Vi-me ao comprido deitada
Tinha estrelas nos cabelos
Em meus olhos madrugadas.
Sonhei comigo esta noite
Como queria ser sonhada
Senti o calor da mão
Percorrendo uma guitarra.
De longe vinha um gemido
Uma voz desabalada
Havia um campo de trigo
Um sol forte me abrasava.
E acordei meio sonhando
Procurando me encontrar
Quando me vi ao espelho
Era teu o meu olhar.
***
(Eugénia Tabosa)

Procura a maravilha


Procura a maravilha.
Onde um beijo sabe a barcos e bruma.
No brilho redondo e jovem dos joelhos.
Na noite inclinada de melancolia.
Procura.
Procura a maravilha.
(Eugénio de Andrade)

Promessa


És tu a Primavera que eu esperava,
A vida multiplicada e brilhante,
Em que é pleno e perfeito cada instante.
***
(Sophia de Mello Breyner Andressen)

Respondendo...


Se te quero, te desejo?
Plena em ti me revejo
Meu amor, meu doce enlevo
Meu divagar no vento
Parte de mim, meu sossego
Meu pairar cantante nos ares
Meu afago
Minha pele
De cantantes despertares
Minha lonjura
Tormento
Lágrima oculta
Despedida
Na noite tornada escura
Meu anseio de ventura
Minha canção dolente
Minha luz, minha aurora
Despertando sorridente
Terna forma espiralante
Quadricular, secante
Geometrias perdidas
Simbologias d’outrora
Morango rubro, meu mel
De leve trago a fel
Na hora das despedidas
Meu céu azul, meu luar
Meu voo leve, sereno
Num Outono mui ameno
Chuva d’estrelas, meu mar
Oásis o deserto salvando
Sede que matas a sede
Que em mim tu te perdeste
Eu em ti unificando
Minha fidelidade louca
Em silenciosos falares
Sussuros e murmurares
Cega, surda e mouca
A convites, distracções
Enlevos e seduções
Vivendo p’ra ti somente
Meditando sorridente
***
(Amita)

terça-feira, 27 de julho de 2010

Última Carta


Escrevi-te
como quem pedia água
de que nunca terás sede;
como quem dá
a certeza do Azul
nos dias mais cinzentos;
como quem se dá
na certeza
da troca
que nunca virá.
Escrevi-te
e chamei-te asa
como quem diz
nuvem
e disse viagem
como quem diz
rio
e fogo
e dor...
desta vez, porém
escrevo-te
e chamo-te
longe
como quem diz
lágrima
e despedida!...
***
(Maria Mamede)

Aguardo


como dói! como magoa o peito, este ânsia de respirar todo o ar.
inspiro lenta e profundamente.
alcança-me a brisa soprada dos teus poros. sufoco em ti quando os teus olhos param nos meus. aguardo a chegada da tua boca, dos teus lábios que pingam de desejo, perdidos como nau que não busca rumo.
os teus gestos são os que me despem.
e pedem aos meus que ousem imitá-los.
***
(Luísa Azevedo)

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Ser Poeta

Ser Poeta
é predicado
Não se estuda nem se aprende
É um dom ao nascer dado
Não se compra nem se vende.
*
Ser poeta
é possuir
Rara sensibilidade
Da voz das coisas ouvir
E dar-lhes vitalidade...
*
Ser poeta
é entender
A perene Natureza
E em verso descrever
A sua bruma e beleza...
*
Ser poeta
é divagar
Pelo Universo infinito
Na ânsia de desvendar
O seu mistério inaudito.
*
Ser poeta
é transformar
Duma forma enternecida
As palavras para dar
Mais sentido à própria vida!...
*
Ser poeta
é ter talento
De expressar a inspiração
Ousado eu... Quando tento
Sou apenas pretensão !...
***
(Euclides Cavaco)

O mais perfeito poema



Deus é o grande poeta do universo,
sua poesia tem pouca opção de rima,
Ele sempre dá ênfase em cada verso,
ao amor, desprendimento e estima.

Em sua sabedoria, de infinita ternura.
num gesto meigo e de candura suprema,
à obra da criação deu-lhe total formosura,
Ele inseriu a mulher, seu mais perfeito poema.

Ele fez os últimos retoques e achou-a perfeita,
em cada detalhe, destacou o amor como tema,
deu-lhe aconchego, e para jamais ser refeita,
Ele inseriu a mulher, seu mais perfeito poema.

Ele assistiu desolado, o homem disseminar rancor,
ferir, matar inocentes, viver sempre no dilema,
entre o bem e o mal e para prevalecer o amor,
Ele inseriu a mulher, seu mais perfeito poema.

Não Lhe escapa nenhum detalhe, Ele tudo assiste,
o que vale é a intenção, nós somos seu diadema,
e para amenizar a dor da amargura que existe,
Ele inseriu a mulher, seu mais perfeito poema.

O sofrimento é imenso e o desespero campeia,
os asilos, os hospitais, são um centro de lamento,
e para aliviar a dor que por toda parte vagueia,
Ele inseriu a mulher, seu mais perfeito poema.

E o mundo se transforma, pois a mulher decidiu,
participar, produzir, decidir, não importa o tema,
e agora entendemos porque o mundo tanto evoluiu,
Ele inseriu a mulher, seu mais perfeito poema.

A verdade prevalece, o aconchego amplia o espaço,
foi Deus quem concebeu esse fantástico estratagema,
e podemos relaxar, reduzindo o peso desse cansaço,
pois Deus inseriu a mulher, seu mais perfeito poema.
***
(Bernardino Matos.)

Porta da solidão



À minha porta bateram
e em silêncio fui espreitar
era um rosto que sorria
com olhos de cativar

Deixei-a entrar de mansinho
para com ela conversar
estava triste nesse dia
só me queria consolar

Quando a mandei embora
ela disse: - Vou voltar!
percebi tarde demais
que vinha sem a chamar

Ficou para sempre comigo
como uma sombra no ar
tinha encontrado um abrigo
para em mim, descansar

A porta que fui abrir
foi a do meu coração
era um rosto a sorrir
no corpo da solidão
***
(Mar)

domingo, 25 de julho de 2010

Poema a meu pai...


hoje senti saudades de ti, pai...
saudades de te ter, de te abraçar
hoje senti saudades de ti
saudades de te ver sorrir
saudades da tua face e teus olhos
hoje senti saudade de te olhar
saudades da tua voz
senti saudades de te ouvir falar,
hoje senti saudades de ti
de te ver a trabalhar,
de te ouvir rir,
pena não te ver envelhecer...
ver-te chegar a casa, era uma casa cheia
hoje olhei-me ao espelho, pensei em ti
no verde de meus olhos vi saudade,
vi-te dentro do meu olhar, fiquei ali...
e fiquei nos meus olhos à vontade
pedi então a Deus p'ra adormecer
que pudesse ver-te, ainda que a sonhar
mas não pude dormir, pai ,
não pude...
que a saudade foi mais forte do que eu,
pôs-me chorar...
***
(Tibéu)
Escolhi este poema lindíssimo e publico-o para prestar uma pequena homenagem ao meu querido Pai, que hoje completaria mais um aniversário.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Já não há Domingos...


Todas as vidas gastei
para morrer contigo.
*
E agora
esfumou-se o tempo
e perdi o teu passo
para além da curva do rio.
*
Rasguei as cartas.
Em vão: o papel restou intacto.
Só os meus dedos murcharam, decepados.
*
Queimei as fotos.
Em vão: as imagens restaram incólumes
e só os meus olhos se desfizeram, redondas cinzas.
*
Com que roupa
vestirei minha alma
agora que já não há Domingos?
*
Quero morrer, não consigo.
Depois de te viver
não há poente
nem o enfim de um fim.
*
Todas as mortes gastei
para viver contigo.
***
(Mia Couto)

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Baloiço


Empurrei-te o baloiço, para a frente, para trás,
Tinhas asas, eras pássaro, cometa, avião!
Balançavas como se fosses capaz
De tocar no céu com a tua própria mão!
*
Na praia eras barco, submarino,
peixe, sereia,
Quando te vi, em mergulhos,
partir à conquista do mar!
*
Golfinho entre a espuma das ondas a saltitar
Até terra firme, onde rebolavas na areia!
Quando correste sem parar atrás da bola no relvado,
Eras avançado a marcar golo da vitória!
*
Quando, à noite, te contei uma história,
Tornaste-te rei, um grande herói, príncipe encantado!
Resgataste a princesa do tirano malvado,
E viveste feliz para sempre!
*
Mas quando te peguei ao colo,
eras pequenina novamente,
Aninhaste no meu peito,
quiseste saber de tua mãe.
*
Um anjo caído mesmo à minha frente,
A quem eu, admirado, perguntei:
“O que és tu, afinal, linda criatura,
E com que contagiosa esperança
Brincas, corres e saltas com prazer?”
*
Foi quando me encaraste
cheia de ternura,
E sorrindo, respondeste:
“sou criança,
Por isso, posso ser o que quiser!”
***
(Flipkosta)
(Dedicado à minha sobrinha linda que completa 7 lindos aninhos.
Adoro-te, princesinha!)

domingo, 4 de julho de 2010

Aquele que o meu coração ama


Aquele que o meu coração ama
ergueu-se do meu leito e nele esqueceu
as repetidas promessas de um regresso
em que aos meus olhos ensinaria
a única maneira de esconder
o prenúncio de invisíveis desertos
*
aquele que o meu coração ama
afogou em noites de leite e mel
o rasto dos oásis que
teciam a sede do desejo no meu peito
e bebeu neles as horas de um destino que
me acenava de muito longe
*
aquele que o meu coração ama
partiu às cegas sem descobrir
as húmidas palavras que se espalham
à sombra dos ciprestes
contando os minutos que faltam
para a vertigem do corpo onde o aguardo
***
(Alice Vieira)

sábado, 3 de julho de 2010

Vício


trinco-te as palavras
como a este massapão
de recheio guloso
meu vício é amargoso
porém
nunca morro de indigestão
***
(Rui de Morais)