quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Soneto das memórias vividas


Lembro-me como se fosse hoje
Do dia em que te conheci
Palmas suadas e aperto no peito
Sabia que eras tu para mim

E hoje, passados estes anos
Já não somos uma rea­li­dade os dois
As memórias ficaram espa­lha­das pelo caminho
Como a vontade, a paixão e o depois

E porque a vontade não chega
A saudade aperta e o peito contrai-se em assombro
Das memórias vividas e daquelas que ficaram por viver

E porque a memória também nos atraiçoa
A tal saudade que aperta nem sempre é a que o coração desperta
Porque as memórias vividas afinal ficaram por viver
***
(Ricardo Vercesi)

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Ansiedade


Os
últimos passos do dia pela casa
são os meus. Cerro a
porta de entrada na
última ronda pela sala
deixo
o ruído da noite tocar a
ruína da alma. A
manhã que vai trazer? Será dia de perder? Na
arte
da grande roleta: o que irá tocar aos meus?
A
trégua que ora me assola parece
querer demorar
mãe e
filha já dormem dentro deste território onde
devo parecer norte
onde me
toca
ser homem.
***
(João Luís Barreto Guimarães)

Versos antigos



se a noite se perder em ritmos de água, eu morrerei.
não há palavra mais doce que aquela que se despe
lentamente na baía, na nostalgia de si mesma.
outrora era a evidência do verso, rumor de aves,

lagos espirais caminhos por entre fontes e azuis
danças de deus nos longínquos areais, mas as
incertezas acumularam-se depois do sono, lembranças
da infância, da fronteira, dos açudes ruidosos.

eu morrerei se ouvir de novo essa voz, por isso
afastai-a célere dos oceanos, das portas entreabertas,
dos segredos. essa palavra é doce e mortífera: amai-a

longe de mim onde o silvo, o alarme das estações, é uma
espada, um gume à deriva no corpo. ficarei entre
sinais, escombros, longe das margens dos lagos, leve.
***
(Francisco José Viegas)