terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Desilusão de Pigmaleão



Tão longe mas tão perto
Um destino incerto...

Ouvindo o teu riso
Lembro-me do que senti
Incerto
Inseguro
Somos uns românticos
Tão perto mas tão longe
Um destino bem certo...

Ouvindo a tua voz
Esqueço-me que senti

É certo
E seguro
Fomos uns românticos
(Santiago)

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

...


Acima de tudo
deste-me dias mais claros
de uma poesia diferente.
Recordo ainda
o sabor de uma lágrima tua
ainda quente, antes do cais,
e enraivece-me o meu constante
talvez, quem sabe...nunca mais!

Percorro lugares onde fui algo
já que não te percorro a ti
pelos trilhos que me abriste
e depois tapaste.
Que importa afinal?
As sebes em redor,
feitas de uma sempre serena razão,
eram sempre tão altas.
E eu sem as conseguir saltar.

Resta-me o papel e a caneta,
os acordares obcecados pela noite fora,
o sorriso do "Noodles",
a flauta e o ver-te,
o ter-te perto, que demora.
(José Tormes)

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Chove!


Chove…
Mas isso que importa!
Se estou aqui abrigado nesta porta
a ouvir a chuva que cai do céu
uma melodia de silêncio
que ninguém mais ouve
senão eu?
*
Chove…
Mas é do destino
de quem ama
ouvir um violino
até na lama.
(José Gomes Ferreira)

sábado, 22 de novembro de 2008

Não sei


Não sei de mim
se daquilo que parece ser
me perdi.
Deixei que a vida me vivesse e,
perdendo-me da vida,
a vida perdeu-se.

E menti muito,
para ser melhor poeta.
(Fátima Andersen)

domingo, 16 de novembro de 2008

...


Não sei...
se a vida é curta ou longa demais pra nós,
mas sei que nada do que vivemos tem sentido,
se não tocamos o coração das pessoas.
Muitas vezes basta ser: colo que acolhe, braço que envolve,
palavra que conforta, silêncio que respeita,
alegria que contagia, lágrima que corre, olhar que acaricia,
desejo que sacia, amor que promove.

E isso não é coisa de outro mundo,
é o que dá sentido à vida.
É o que faz com que ela não seja nem curta
nem longa demais,
mas que seja intensa, verdadeira, pura...
...enquanto durar...
(Cora Coralina)

sábado, 15 de novembro de 2008

Versos Vertentes


O dia amanheceu cinzento.
Fui lá fora ver a chuva.
A água que descia lavando a rua
– precipitando a vida –
era torrencial,…
transbordava nas frestas da calçada.
Frente às poças que se formavam
tive a lembrança dos versos.
Num suspiro de saudade…
emergiu de minha alma
uma enxurrada de palavras.
Enquanto chovia fiz rascunhos
na página nua das horas.
Um poema onde, em verdade,
sorvo uma gota da face,
resumindo o que senti e desejei
da tua poesia dos verbos
que, ao ler,…
sei estarem todos no plural.
(Rita Costa)

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Sonho vago


Um sonho alado que nasceu um instante
Erguido ao alto em horas de demência...
Gotas de água que tombam em cadência
Na minha alma tristíssima, distante...
*
Onde está ele, o desejado? O infame?
O que há de vir e amar-me em doida ardência?
O das horasde mágoa e penitência?
O príncipe encantado? O eleito? O amante?
*
E neste sonho eu já nem sei quem sou...
O brando marulhar dum longo beijo
Que não chegou a dar-se e que passou...
*
Um fogo fátuo rútilo, talvez...
Eu ando a procurar-te e já te vejo!
E tu já me encontraste e não me vês!
(Florbela Espanca)

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Estrelas


Olhar o céu infinito
Admirar as estrelas
Tocá-las com os dedos da imaginação
Vibrar com o brilho delas.

Brincar de fazer mundos
Usar os sentimentos mais puros
Mais profundos.

Para onde vai aquela estrela?
Um pontinho no céu a caminhar?
E olha lá... do outro lado
Outra estrela a vagar!

São meus sonhos... esperanças...
De um mundo melhor encontrar
Que realizo e conquisto
No brilho do seu olhar!
(Léia Pantoni)

sábado, 8 de novembro de 2008

Pudesse eu florir


Pudesse eu florir em cada flor
no pretexto do sonho em que te envolvo
do meu corpo, no teu corpo, em desalinho.
E tu beberes o conforto
que em cada momento te ofereço
no líquido híbrido
dos meus olhos de águia presa,
no anseio e no fascínio.
Este cálice de sangue e vida,
esta taça pálida d'amargurada orquídea.
Ser-te seiva, suor e linfa...
Pudesse eu, amado, florir e madrugar
nas pupilas do teu olhar tristonho.
Ser o teu mar, o teu mais alto sonho,
ser finda melancolia.
Ser novo dia a beber da claridade
na febre da tua lira.
Ser ninfa, de cobiçosos horizontes,
d’eternidades e tu poesia a explodir-se
na fonte de meu corpo, amado.
Concubinos, viajante de um mesmo sonho,
de mãos unidas,
elevados ao êxtase do canto egrégio
na voz do silêncio de solidão extinta.
Sermos dos amantes a voz que explode,
a voz que grita,
na flama de quem se ama
sem razão ou medida,
na praça e na avenida,
na alma nua, no chão da rua,
na purificaçãodo sal e mel.
No sorriso, na adoração,
na pacificação da dor…
Pudesse eu florir em cada flor de ti, amor!
Pudesse eu!
(Mel de Carvalho)

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Já sobre a fonte


Já sobre a fronte vã se me acinzenta
O cabelo do jovem que perdi.
Meus olhos brilham menos.
Já não tem jus a beijos minha boca.
Se me ainda amas, por amor não ames:
Traíras-me comigo.
(Ricardo Reis)

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Green God


Trazia consigo a graça
das fontes quando anoitece.
Era o corpo como um rio
em sereno desafio
com as margens quando desce.

Andava como quem passa
sem ter tempo de parar.
Ervas nasciam dos passos,
cresciam troncos dos braços
quando os erguia no ar.

Sorria como quem dança.
E desfolhava ao dançar o corpo,
que lhe tremia num ritmo que ele sabia
que os deuses devem usar.

E seguia o seu caminho,
porque era um deus que passava.
Alheio a tudo o que via,
enleado na melodia duma flauta que tocava
***.

(Eugénio de Andrade)

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Quase um poema de amor


Há muito tempo já
que não escrevo um poema
De amor.
E é o que eu sei fazer
com mais delicadeza!
A nossa natureza
Lusitana
Tem essa humana
Graça
Feiticeira
De tornar de cristal
A mais sentimental
E baça
Bebedeira.

Mas ou seja que vou envelhecendo
E ninguém me deseje apaixonado,
Ou que a antiga paixão
Me mantenha calado
O coração
Num íntimo pudor,
--- Há muito tempo já
que não escrevo um poema
De amor
(Miguel Torga)

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

O fogo que na branda cera ardia


O fogo que na branda cera ardia,
Vendo o rosto gentil que na alma vejo.
Se acendeu de outro fogo do desejo,
Por alcançar a luz que vence o dia.

Como de dois ardores se incendia,
Da grande impaciência fez despejo,
E, remetendo com furor sobejo,
Vos foi beijar na parte onde se via.

Ditosa aquela flama, que se atreve
Apagar seus ardores e tormentos
Na vista do que o mundo tremer deve!

Namoram-se, Senhora, os Elementos
De vós, e queima o fogo aquela nave
Que queima corações e pensamentos.
***
(Luís de Camões)

domingo, 2 de novembro de 2008

Ter tempo


Aqui pode ser longe dentro de mim
Há sempre a música imprevista de um verso novo
Assomando no postigo do momento.
Quem dera que o tempo que tenho
Fosse tempo de ter tempo como não tenho agora.
Um qualquer tempo lento, sonolento
Que, livre, me desse tempo para semear o meu tempo
Tempo de viajar vagarosamente
Pelos meandros da memória.
Que não os silêncios que perdemos
No afã do tempo que não temos.
Sei que o tempo me consome,
que envelheço, que entristeço.
Que nesta procura do tempo que passa,
perco o tempo que procuro
Na busca do tempo que não tenho.
(Autor Desconhecido)

sábado, 1 de novembro de 2008

A miséria do meu ser


A miséria do meu ser,
Do ser que tenho a viver,
Tornou-se uma coisa vista.
Sou nesta vida um qualquer
Que roda fora da pista.

Ninguém conhece quem sou
Nem eu mesmo me conheço
E, se me conheço, esqueço,
Porque não vivo onde estou.
Rodo, e o meu rodar apresso.

É uma carreira invisível,
Salvo onde caio e sou visto,
Porque cair é sensível
Pelo ruído imprevisto...
Sou assim. Mas isto é crível?
***
(Fernando Pessoa)

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Flores de cactus


Flores de cactus resplandecentes,
Espelhantes, encarnadas!
Rubras gargalhadas
De cortesãs…
Embriagam-se de sol,
Pelas doiradas manhãs,
Viçosas e ardentes!
Bela flor imprudente!
Brilha melhor o sol rutilante
Nas suas pétalas vermelhas…
É sugestivo
O ar insolente e petulante,
Como se deixam morder
Pelas doiradas abelhas!
Nascem para ser beijadas
E possuídas
Pelo sol abrasador…
Lascivas,
Predestinadas
Para os mistérios do amor!
Eu gosto desta flor pagã
E sensual,
Que num místico ritual
Se entrega toda aberta
Aos beijos fulvos do sol!
Oh! Flor do cactus enrubescida!
No teu vermelho, há sangue, há vida…
- E eu tenho uma enorme sede de viver!
***
(Judith Teixeira)

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

SONETO LXXXVIII


Quando me tratas mau e, desprezado,
Sinto que o meu valor vês com desdém,
Lutando contra mim, fico a teu lado
E, inda perjuro, provo que és um bem.
Conhecendo melhor meus próprios erros,
A te apoiar te ponho a par da história
De ocultas faltas, onde estou enfermo;
Então, ao me perder, tens toda a glória.
Mas lucro também tiro desse ofício:
Curvando sobre ti amor tamanho,
Mal que me faço me traz benefício,
Pois o que ganhas duas vezes ganho.
Assim é o meu amor e a ti o reporto:
Por ti todas as culpas eu suporto.
***
(William Shakespeare)

sábado, 25 de outubro de 2008

Seus olhos


Seus olhos - se eu sei pintar
O que os meus olhos cegou
Não tinham luz de brilhar.
Era chama de queimar;
E o fogo que a ateou
Vivaz, eterno, divino,
Como facho do Destino.
*
Divino, eterno! - e suave
Ao mesmo tempo: mas grave
E de tão fatal poder,
Que, num só momento que a vi,
Queimar toda alma senti...
Nem ficou mais de meu ser,
Senão a cinza em que ardi.
***
(Almeida Garret)

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Desejo


Ah! que eu não morra sem provar, ao menos
Sequer por um instante, nesta vida
Amor igual ao meu!
Dá, Senhor Deus, que eu sobre a terra encontre
Um anjo, uma mulher, uma obra tua,
Que sinta o meu sentir;

Uma alma que me entenda, irmã da minha,
Que escute o meu silêncio, que me siga
Dos ares na amplidão!
Que em laço estreito unidas, juntas, presas,
Deixando a terra e o lodo, aos céus remontem
Num êxtase de amor!
(Gonçalves Dias)

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Era fácil


Era fácil sair de mim
e colher o prazer.
Mas conto os dias,
as horas,
os segundos
nem sei para quê.
Acredito, não sei porquê,
que esta angústia,
esta dor,
esta ferida,
se esvai,
se adoça,
se cura.
Que este sentir não dura.
Mas os dias passam,
a angústia aperta,
a dor cresce,
a ferida afunda
e tudo à minha volta
sucumbe cinzento,
sem um alento,
no meu desvario
que me preenche,
me inunda.
(Helena Guimarães)

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Solidão


Não mais fujas de mim, ó minha amiga,
para sempre fiques guardada no meu peito,
Que me acompanhes nas noites em que me deito,
sempre que de dia a minha alma é vencida.
*
Juntos no mesmo mundo, no mesmo leito,
todo o teu conforto será a minha guarida,
assim teremos a vida de nos esquecida,
seremos a divina união, o casal perfeito.
*
E juntos neste singular exilio, vamos viver,
guardar todas as mágoas no meu coração,
como reliquias que para sempre vou esconder.
*
Serei de todos os mortais, o mais feliz então,
por este tesouro, dentro de mim eu poder ter,
por estares sempre ao meu lado... solidão.
(Eduardo Mesquita)

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Abro-me ao mundo...

Sonhando vou por aí,
sinto-me entre a terra e o céu!
Percorro montes e vales,
rios e oceanos,
países e continentes.
E o que vejo?
*
Fome e miséria,
iminentes mortes.
Bem-estar,
muito bem-estar,
ignorando os carentes.
*
Atroz egoísmo
num planeta com guerras,
ódios, invejas;
amor onde páras?
*
O sonho vai partindo
e deixa-me a imagem
de que existem dois mundos!!!
(José Manuel Brazão)

domingo, 12 de outubro de 2008

Nascer do Sol


Por detrás das grades vi uma claridade,
que fez no meu peito nascer uma esperanca,
senti que poderia terminar a tempestade,
e que finalmente chegaria a bonança.
*
Foi como um elixir, uma sagrada dança,
com rituais bordados pela ansiedade,
foi como se um feiticeiro, chegasse a verdade,
sem ter que manejar, a sua "sábia lança".
*
Foi um raio de luz, que entrou no meu mundo,
e reacendeu de novo a minha alma,
que caíra num precipício bem fundo.
*
Bastou um momento, minha voz se acalma,
com esse resplandecente suspiro e profundo .
Nasceu mais um dia, numa manhã calma.
(Eduardo Mesquita)

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

O amor quando se revela...


O amor, quando se revela,
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar p'ra ela,
Mas não lhe sabe falar.
*
Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há de dizer.
Fala: parece que mente
Cala: parece esquecer
*
Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
Pra saber que a estão a amar!
*
Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!
*
Mas se isto puder contar-lhe
O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar...
(Fernando Pessoa)

sábado, 20 de setembro de 2008

O impossível carinho


Escuta, eu não quero contar-te o meu desejo
Quero apenas contar-te a minha ternura
Ah!... Se em troca de tanta felicidade que me dás
Eu te pudesse repor
- Eu soubesse repor -
No coração despedaçado
As mais puras alegrias de tua infância!
(Manuel Bandeira)

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

O teu riso


Tira-me o pão, se quiseres,
tira-me o ar,
mas não me tires o teu riso.
*
Não me tires a rosa,
a lança que desfolhas,
a água que de súbito
brota da tua alegria,
a repentina onda
de prata que em ti nasce.
*
A minha luta é dura
e regresso com os olhos cansados
às vezes por ver
que a terra não muda,
mas ao entrar teu riso
sobe ao céu a procurar-me
e abre-me todasas portas da vida.
*
Meu amor,
nos momentos mais escuros
solta o teu riso e,
se de súbito vires que o meu sangue
mancha as pedras da rua,
ri,
porque o teu riso será para as minhas mãos
como uma espada fresca.
*
À beira do mar, no outono,
teu riso deve erguer sua cascata de espuma,
e na primavera, amor,
quero teu riso como a flor que esperava,
a flor azul,
a rosa da minha pátria sonora.
*
Ri-te da noite,
do dia, da lua,
ri-te das ruas tortas da ilha,
ri-te deste grosseiro rapaz que te ama,
mas quando abro os olhos e os fecho,
quando meus passos vão,
quando voltam meus passos,
nega-me o pão, o ar,
a luz, a primavera,
mas nunca o teu riso,
porque então morreria.
(Pablo Neruda)

domingo, 14 de setembro de 2008

Amor é...


Estar em ti e simplesmente ser e sentir...
É fechar os olhos e sonhar um sonho,
que não quero que acabe nunca...
É inalar o doce aroma que acaricia os nossos momentos...
É escutar um hino que escrevemos juntos,
Em nós, no nosso silêncio...
É viajar por entre o universo,

Onde se perde o infinito.
É subir ao céu e tocar as estrelas...
É deixar-me envolver pelas suas asas,

Sabendo que na sua plumagem se esconde uma espada...
É acreditar na voz que pode quebrar os meus sonhos,

Como o vento do Inverno que sacode os jardins...
É sentir-me árvore cujo sol acaricia os meus frágeis ramos,

Como também abana e sacode as minhas raízes de apego à terra...
É ser crivado pelas mãos do artesão,

Com a subtileza de quem separa o trigo do joio....
É ser moído e triturado,

até ao mais puro e singelo branco...
É ser amassado e ficar maleável,

Pronto para crescer no teu fogo...
É percorrer o caminho da Vida...

Onde posso rir todos os meus risos,
Onde posso chorar todas as minhas lágrimas...
Assim é o Amor.

O amor que se alimenta de si próprio,
O amor cujo rio não deve ser guiado...
É conhecer a dor da excessiva ternura,

É sangrar feliz.
É acordar preenchido e agradecer mais um dia,

É repousar a meio do dia e ser invadido pelo pensamento
Estival de uma tarde de Outono.
É regressar a casa no corolário das emoções,

Adormecer enroscado num beijo teu...
Se assim é o Amor,

Então descobri em ti o caminho da minha vida,
O caminho do meu conhecimento.
Elevo a minha voz aos céus,

E com a força da imensidão do mar,
Mas com a fragilidade e ternura da sua espuma,

Digo-te...
Amo-te, luz de minh’alma...
Amo-te, pedaço de mim...
(Catherine*)

Se eu pudesse...

Se eu pudesse trincar a terra toda
E sentir-lhe um paladar,
Seria mais feliz um momento...
Mas eu nem sempre quero ser feliz,
É preciso ser de vez quando infeliz
Para se poder ser natural...
*
Nem tudo é dias de sol,
E a chuva, quando falta muito, pede-se.
Por isso tomo a infelicidade com a felicidade
Naturalmente, como quem não estranha
Que haja montanhas e planícies
E que haja rochedos e erva...
*
O que é preciso é ser-se natural e calmo
Na felicidade ou na infelicidade,
Sentir como quem olha,
Pensar como quem anda,
E quando se vai morrer,
Lembrar-se de que o dia morre,
E que o poente é belo e é bela a noite que fica...
Assim é e assim seja...
(Alberto Caeiro)

O Vento


Queria transformar o vento.
Dar ao vento uma forma concreta e apta a foto.
Eu precisava pelo menos de enxergar uma parte física do vento:
uma costela, o olho...
Mas a forma do vento me fugia que nem as formas de uma voz.
Quando se disse que o vento empurrava a canoa do índio para o barranco
Imaginei um vento pintado de urucum a empurrar a canoa do índio para o barranco.
Mas essa imagem me pareceu imprecisa ainda.
Estava quase a desistir quando me lembrei do menino montado no cavalo do vento
- que lera em Shakespeare.
Imaginei as crinas soltas do vento a disparar pelos prados com o menino.
Fotografei aquele vento de crinas soltas.

(Manoel de Barros)

sábado, 13 de setembro de 2008

Simples, mágica


De repente você chega em minha vida
De mansinho se aconchega nos meus braços
E me fala de amor e de carinho
E se enrosca docemente em meu abraço
*
De repente você entra no meu mundo
E descobre subtilmente os meus segredos
E me envolve com esses olhos tão profundos
E me beija com essa boca tão macia
*
Ah, você quem será, linda, mágica
Ah, você quem será, linda, mágica
*
Esse riso tão gostoso, esse seu jeito
Esse rosto e essa pele que me queima
Essa coisa tão bonita no meu peito
Esse amor que o coração não faz segredo
*
Eu me deixo envolver por seus carinhos
Nada importa eu já não tenho o que temer
Docemente eu desvendo seus caminhos
E descanso no seu corpo os meus sonhos de amor
*
Livre, solto, simples mágica
Ah, você, quem será, linda, mágica
(Roberto Carlos)

Sonetos


(...)
Conversando a sós contigo
Desfruto o prazer imenso
De não pensar no que digo
E de dizer o que penso.
*
E mais uma vez afirmo
Sem receio que seja desmentido
- A maior felicidade
É ser-se compreendido.
**
(...)
Se para possuir o que me é dado
Tudo perdi e eu próprio andei perdido
Se para ver o que hoje é realizado,
Cheguei a ser negado e combatido
*
Se para estar agora apaixonado
Foi necessário andar desiludido
Alegra-me sentir que fui odiado
Na certeza imortal de ter vencido.
**

(António Botto)

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Amor a sangue frio


Do silêncio acordado em pleno dia
ao selvagem frenesi dos meus sonhos
por mim passam, dissonantes,
medonhos alaridos de uma irada histeria
*
Um psicopata a mil mortes por hora

almejando do sentir o sentido
com o gume do seu verso o desflora
violando o seu fundo adormecido
*
Desenho borboletas no teu dorso

Quimera a sangue frio da impaciência
a que as minhas mãos quentes obedecem
*
Almas confusas e sós estremecem

sob destroços do caos, da contingência
Bolas de neve rolam sem remorso
(Nuno Homem Cardoso)

domingo, 7 de setembro de 2008

Um dia


Um dia, tal como tu,
sairei do lugar onde me sentes.
A teu lado, algures por aí,
talvez nos encontremos.
Se tiver tempo, aviso cedo.
Na verdade,
nunca deixei
de te ver dentro de mim
(Eduardo Graça)

Escrevo


Escrevo para não sufocar entre as grades da escuridão.
Escrevo porque não posso adiar o coração.
Escrevo porque há olhos atlânticos onde apetece velejar e cabelos flutuando à proa dos sonhos.
Escrevo porque há palavras e gestos que ainda baloiçam no jardim das delícias.
Escrevo contra as certezas, as leis, a moral e a rotina.
Escrevo porque acredito nos mandamentos da natureza e em instantes eternos.
Escrevo porque falas da vida com a doçura de uma açucena.
(Alberto Serra)

Que o vento me leve para de onde me trouxe...


Como eu queria ser livre...
Voar num espaço sem fim,
Ir ao mais fundo das profundezas
Onde não houvesse mágoas,

dores ou tristezas.
Correr para ti,
Sentir o Absoluto,
Esquecer completamente
Este mundo maluco.
Mas não consigo...
Não posso ser livre.
Estou muito presa á matéria
E ao mundo da miséria!

(Micah)

sábado, 6 de setembro de 2008

Vós


Vós...
Jardim de minh’alma,
Onde me encontro e deleito,
Onde sinto e estremeço...
*
Luz de minh’alma,
Que me ilumina e aquece,
Que preenche o coração,
Que se expande em mim...
*
Orvalho cristalino,
Névoa da primavera,
Vento do outono...
*
Chuva de verão,
Erva de estio,
Sorriso de violeta,
Olhar de narciso...
*
Momento que retenho,
Que em mim sorri,
Onde fico e anseio,

Assim sois vós,
Pois já não sou que moro em mim,
Mas Vós que habitais,
O templo do meu coração...
*
Peço-vos que ficais,
Já choram os pássaros,
Lacrimejam os peixes,
Escrevo com lágrimas um leque...
*
Ficai...


preciso de Vós.


(Catherine*)

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Vaidade


Sonho que sou a poetisa eleita,
Aquela que diz tudo e tudo sabe,
Que tem a inspiração pura e perfeita,
Que reúne num verso a imensidade!
*
Sonho que um verso meu tem claridade
Para encher todo o mundo! E que deleita
Mesmo aqueles que morrem de saudade!
Mesmo os de alma profunda e insatisfeita!
*
Sonho que sou Alguém cá neste mundo...
Aquela de saber vasto e profundo,
Aos pés de quem a Terra anda curvada!
*
E quando mais no céu eu vou sonhando,
E quando mais no alto ando voando,
Acordo do meu sonho... E não sou nada!...
(Florbela Espanca)

Rumor


Acorda-me
um rumor de ave.
Talvez seja a tarde
a querer voar.

A levantar do chão
qualquer coisa que vive,
e é como um perdãoque não tive.

Talvez nada.
Ou só um olhar
que na tarde fechada
é ave.

Mas não pode voar.
(Eugénio de Andrade)

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

...


I
Sim, farei...;
e hora a hora passa o dia...
Farei, e dia a dia passa o mês...
E eu, cheio sempre só do que faria,
Vejo que o que faria se não fez,
De mim, mesmo em inútil nostalgia.
*
Farei, farei...

Anos os meses são
Quando são muitos-anos, toda a vida,
Tudo...
E sempre a mesma sensação
Que qualquer cousa há-de ser conseguida,
E sempre quieto o pé e inerte a mão...
*
Farei, farei, farei...

Sim, qualquer hora
Talvez me traga o esforço e a vitória,
Mas será só se mos trouxer de fora.
Quis tudo -- a paz, ilusão, a glória...
Que obscuro absurdo a minha alma chora?

II
Farei talvez um dia um poema meu,

Não qualquer cousa que, se eu a analiso,
É só a teia que se em mim teceu
De tanto alheio e anónimo improviso
Que ou a mim ou a eles esqueceu...
*
Um poema próprio, em que me vá o ser,

Em que eu diga o que sinto e o que sou,
Sem pensar, sem fingir e sem querer,
Como um lugar exacto, o onde estou,
E onde me possam, como sou, me ver.
*
Ah, mas quem pode ser o que é?

Quem sabe
Ter a alma que tem?
Quem é quem é?
Sombras de nós, só reflectir nos cabe.
Mas reflectir, ramos irreais, o quê?
Talvez só o vento que nos fecha e abre.

III
Sossega, coração!

Não desesperes!
Talvez um dia, para além dos dias,
Encontres o que queres porque o queres.
Então, livre de falsas nostalgias,
Atingirás a perfeição de seres.
*
Mas pobre o sonho o que só quer não tê-lo!

Pobre esperança a de existir somente!
Como quem passa a mão pelo cabelo
E em si mesmo se sente diferente,
Como faz mal ao sonho o concebê-lo!
*
Sossega, coração, contudo!

Dorme!
O sossego não quer razão nem causa.
Quer só a noite plácida e enorme,
A grande, universal, solene pausa
Antes que tudo em tudo se transforme.
(Fernando Pessoa)

Fado de uma vida


Amanhecer faz-nos pensar.
Sem depender d'onde estamos,
Nasce a força devagar.
Uma luz que precisamos
Uma luz para navegar.
Amanhecer faz-nos sentir
Sem depender quem somos,
Uma força parece unir,
Ser o que já fomos
Ser Grande e partir.
(Luís Alvelos)

Matilde

Quando ali cheguei, ali estava.
Sorriso inocente, tez pálida.
Olhar profundo e intenso...
Que se confunde com o céu.
Azul sua cor...
Como se não houvesse limite
E onde as cores se confundem
Entre a infinidade das emoções
E a dimensão corpórea.
*
Matilde...
Rosto cristalino,
Outrora cinzelado pelas mãos de um anjo.
Gestos delicados e precisos.
Uma lágrima...
Gota de orvalho que escorre...
Que percorre os poros de sua pele,
Que vence os sulcos.
Elevando a força de querer.
Querer amar e transformar
O seu percurso em rio,
E desaguar na imensidão da inocência,
Estado de leveza que será o seu amor,
E jamais a tornará num pântano...
*
Matilde...
Assim foi...
Assim ali fiquei...
(Catherine*)

sábado, 30 de agosto de 2008

Metade

Que a força do medo que tenho
Não me impeça de ver o que anseio.
Que a morte de tudo em que acredito
Não me tape os ouvidos e a boca
Porque metade de mim é o que eu grito
Mas a outra metade é silêncio.
*
Que a música que ouço ao longe
Seja linda ainda que tristeza
Que a mulher que eu amo seja pra sempre amada
Mesmo que distante
Porque metade de mim é partida
Mas a outra metade é saudade.
*
Que as palavras que falo
Não sejam ouvidas como prece e nem repetidas com fervor
Apenas respeitadas
Como a única coisa que resta a um homem inundado de sentimentos
Porque metade de mim é o que ouço
Mas a outra metade é o que calo.
*
Que essa minha vontade de ir embora
Se transforme na calma e na paz que eu mereço
E que essa tensão que me corrói por dentro
Seja um dia recompensada
Porque metade de mim é o que penso
Mas a outra metade é um vulcão.
*
Que o medo da solidão se afaste
E que o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável
Que o espelho reflita em meu rosto um doce sorriso
Que eu me lembro ter dado na infância
Por que metade de mim é a lembrança do que fui
A outra metade eu não sei.
*
Que não seja preciso mais que uma simples alegria
Pra me fazer aquietar o espírito
E que o teu silêncio me fale cada vez mais
Porque metade de mim é abrigo
Mas a outra metade é cansaço.
*
Que a arte nos aponte uma resposta
Mesmo que ela não saiba
E que ninguém a tente complicar
Porque é preciso simplicidade pra fazê-la florescer
Porque metade de mim é a platéia
A outra metade é a canção.
*
E que a minha loucura seja perdoada
Porque metade de mim é amor
E a outra metade também.
(Oswaldo Montenegro)

Escrever um livro, criar um filho, plantar uma árvore


Escrevi um livro.
Quantos anos a sonhá-lo,
A rascunhá-lo nas mesas dos cafés,
A escrevê-lo nos intervalos do emprego,
A vivê-lo,
A sofrê-lo,
Na província, nas cidades...!
Criei um filho.
Tanta alegria no meu coração!
Só ainda não plantei uma árvore.
O frágil caule como protegê-lo?
Como não deixar que os bichos
Maculem as pequeninas folhas?
E como dialogar com uma árvore-menina?
Agora vai sendo tempo.
Os anos já me pesam.
Amanhã vou plantar uma árvore.
(Saúl Dias)

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Um pouco de céu


Só hoje senti
Que o rumo a seguir
Levava pra longe
Senti que este chão
Já não tinha espaço
Pra tudo o que foge
Não sei o motivo pra ir
Só sei que não posso ficar
Não sei o que vem a seguir
Mas quero procurar
*
E hoje deixei
De tentar erguer
Os planos de sempre
Aqueles que são
Pra outro amanhã
Que há-de ser diferente
Não quero levar o que dei
Talvez nem sequer o que é meu
É que hoje parece bastar
Um pouco de céu
Um pouco de céu
*
Só hoje esperei
Já sem desespero
Que a noite caísse
Nenhuma palavra
Foi hoje diferente
Do que já se disse
E há qualquer coisa a nascer
Bem dentro no fundo de mim
E há uma força a vencer
Qualquer outro fim
*
Não quero levar o que dei
Talvez nem sequer o que é meu
É que hoje parece bastar
Um pouco de céu
Um pouco de céu
(Mafalda Veiga)

A sombra sou eu


A minha sombra sou eu,
ela não me segue,
eu estou na minha sombra
e não vou em mim.
Sombra de mim que recebo a luz,
sombra atrelada ao que eu nasci,
distância imutável de minha sombra a mim,
toco-me e não me atinjo,
só sei do que seria
se de minha sombra chegasse a mim.
Passa-se tudo em seguir-me
e finjo que sou eu que sigo,
finjo que sou eu que vou
e não que me persigo.
Faço por confundir a minha sombra comigo:
estou sempre às portas da vida,
sempre lá, sempre às portas de mim!
(José de Almada Negreiros)

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Teus olhos entristecem


Teus olhos entristecem.
Nem ouves o que digo.
Dormem, sonham esquecem...
Não me ouves, e prossigo.
*
Digo o que já, de triste,
Te disse tanta vez...
Creio que nunca o ouviste
De tão tua que és.
*
Olhas-me de repente
De um distante impreciso
Com um olhar ausente.
Começas um sorriso.
*
Continuo a falar.
Continuas ouvindo
O que estás a pensar,
Já quase não sorrindo.
*
Até que neste ocioso
Sumir da tarde fútil,
Se esfolha silencioso
O teu sorriso inútil
(Fernando Pessoa)

Cada vez mais aqui


Queres lutar com quem?
Para doer aonde?
Para ser o quê?
Achas que ninguém vê?

E para quê fingir?
Porquê mentir e remar na dor?
Achas que ninguém vê?

Também eu queria parar...
Chorar
Cair... para me levantar,
para te puxar!
Te fazer sorrir...
Não voltar a cair!

Não me olhes assim!
Continuo a ser quem fui!
Cada vez mais aqui...
Não dances tão longe..!
...que eu já te vi

Também eu queria parar...
Chorar
Cair...
para me levantar,
para te puxar!
Te fazer sorrir...
Não voltar a fugir!
(Toranja)

terça-feira, 26 de agosto de 2008

O insecto


Das tuas ancas aos teus pés
quero fazer uma longa viagem.
Sou mais pequeno que um insecto.

Percorro estas colinas,
são da cor da aveia,
têm trilhos estreitos que só eu conheço,
centímetros queimados, pálidas perspectivas.

Há aqui um monte.
Nunca dele sairei.
Oh que musgo gigante!
E uma cratera, uma rosa de fogo humedecido!

Pelas tuas pernas desço tecendo uma espiral
ou adormecendo na viagem
e alcanço os teus joelhos duma dureza redonda
como os ásperos cumes dum claro continente.

Para teus pés resvalo
para as oito aberturas dos teus dedos agudos,
lentos, peninsulares,
e deles para o vazio do lençol branco caio,
procurando cego e faminto
teu contorno de vaso escaldante!
(Pablo Neruda)