segunda-feira, 18 de julho de 2011

Com as mãos



Com as mãos
construo
a saudade do teu corpo
onde havia
uma porta,
um jardim suspenso,
um rio,
um cavalo espantado à desfilada.

*
Com as mãos
descrevo o limiar,
os aromas subtis,
os largos estuários,
as crinas ardentes
fustigando-me o rosto,
a vertigem do apelo nocturno,
o susto.

*
Com as mãos procuro
(ainda) colher o tempo
de cada movimento
do teu corpo em seu voo.

*
E por fim destruo
todos os vestígios (com as mãos):
Brusca-
mente.

***

(Eduíno de Jesus)

Da ausência



Não quero viver
sem ti
mais nenhum tempo

*
Nem sequer um segundo
do teu sono

*
Encostar-me toda a ti
eu não invento

*
Tu és a minha vida o tempo todo.

***

(Maria Teresa Horta)

Noites de sangue e de silêncio



Há noites que são feitas dos meus braços
E um silêncio comum às violetas.
E há sete luas que são sete traços
De sete noites que nunca foram feitas.

*

Há noites que levamos à cintura
Como um cinto de grandes borboletas.
E um risco a sangue na nossa carne escura
Duma espada à bainha dum cometa.

*

Há noites que nos deixam para trás
Enrolados no nosso desencanto
E cisnes brancos que só são iguais
À mais longínqua onda do seu canto.

*
Há noites que nos levam para onde
O fantasma de nós fica mais perto;
E é sempre a nossa voz que nos responde
E só o nosso nome estava certo.

*
Há noites que são lírios e são feras
E a nossa exactidão de rosa vil
Reconcilia no frio das esferas
Os astros que se olham de perfil.

***

(Natália Correia)

Se partires



Se partires, não me abraces - a falésia que se encosta
uma vez ao ombro do mar quer ser barco para sempre
e sonha com viagens na pele salgada das ondas.

*
Quando me abraças, pulsa nas minhas veias a convulsão
das marés e uma canção desprende-se da espiral dos búzios;
mas o meu sorriso tem o tamanho do medo de te perder,
porque o ar que respiras junto de mim é como um vento
a corrigir a rota do navio. Se partires, não me abraces -

*
o teu perfume preso à minha roupa é um lento veneno
nos dias sem ninguém - longe de ti o corpo não faz
senão enumerar as próprias feridas (como a falésia conta
as embarcações perdidas nos gritos do mar) e o rosto
espia os espelhos à espera de que a dor desapareça.
*

Se me abraçares, não partas.
***

(Maria do Rosário Pedreira)

terça-feira, 12 de julho de 2011

Bruma



Perdidos meus olhos...

Incerto meu passo...

Vago o gesto, no espaço!...

*
Mesmo assim

o meu andar não se detem.

*
Além,

continuam a esperar por mim

os mundos que uma vez encontrados

ninguém mais descobriu...

*
Quem me viu?...

*
E eu vou só...

perdidos meus olhos

incerto meu passo,

vago o gesto no espaço...mas VOU-ME!...

*
Isso me basta!

***

(Alda Lara)

Ansiedade



Quero compor um poema
onde fremente
cante a vida
das florestas das águas e dos ventos
Que o meu canto seja
no meio do temporal
uma chicotada de vento
que estremeça as estrelas
desfaça mitos
e rasgue nevoeiros - escancarando sóis!

***

(Manuel da Fonseca)

De tanto chamamento



Caminho de encontro ao entardecer
com a língua salgada de incendiar
a paisagem de quantos verões
me couberam na boca.
A curva do meu riso indicia o sul da mágoa.
Tenho um barco tatuado nos ossos
e os braços, quase enfermos,
de tanto chamamento.
No próximo verão, hei-de vestir-me de branco,
para que os veleiros avistem a solidão do meu olhar.

***

(Graça Pires)

Hoje dói-me pensar



Hoje dói-me pensar,

dói-me a mão com que escrevo,

dói-me a palavra que ontem disse

e também a que não disse,

dói-me o mundo.

*

Há dias que são como espaços preparados

para que tudo doa.

*

Só deus não me dói hoje.

Será porque ele não existe?

***

(Roberto Juarroz)