segunda-feira, 11 de maio de 2009

Procuro-te


Procuro a ternura súbita,
os olhos ou o sol por nascer
do tamanho do mundo,
o sangue que nenhuma espada viu,
o ar onde a respiração é doce,
um pássaro no bosque
com a forma de um grito de alegria.
*
Oh, a carícia da terra,
a juventude suspensa,
a fugidia voz da água entre o azul do prado
e de um corpo estendido.
*
Procuro-te: fruto ou nuvem ou música.
Chamo por ti,
e o teu nome ilumina as coisas mais simples:
o pão e a água, a cama e a mesa,
os pequenos e dóceis animais,
onde também quero que chegue o meu canto
e a manhã de maio.
*
Um pássaro e um navio são a mesma coisa
quando te procuro de rosto cravado na luz.
Eu sei que há diferenças,
mas não quando se ama,
não quando apertamos contra o peito
uma flor ávida de orvalho.
*
Ter só dedos e dentes é muito triste:
dedos para amortalhar crianças,
dentes para roer a solidão,
enquanto o verão pinta de azul o céu
e o mar é devassado pelas estrelas.
*
Porém eu procuro-te.
Antes que a morte se aproxime,
procuro-te.
Nas ruas, nos barcos, na cama,
com amor, com ódio,
ao sol, à chuva, de noite, de dia,
triste, alegre
— procuro-te.
***
(Eugénio de Andrade)

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