quarta-feira, 15 de setembro de 2010

As mãos


as tuas mãos são as mãos mais perfeitas meu amor
e tu bem sabes porquê.
as tuas mãos não são mãos,
mas um círculo em redor de mim
como os anéis em redor de Saturno.
as tuas mãos são como o tronco de heras
que cresce em volta do pinheiro manso no nosso jardim.
tu sabes que o pinheiro não se importa da companhia das heras.
as tuas mãos nunca enxugaram as lágrimas.
mesmo quando parti e as tuas lágrimas correram
correram com a mesma certeza que o rio corre para o mar
na exacta direcção das curvas do teu rosto
umas em direcção à boca
outras precipitando-se do teu queixo
como pingos de chuva, em direcção ao abismo da terra.
as tuas mãos nunca enxugaram lágrimas
porque a terra te pede humidade para crescer
e a tua boca água para matar a sede.
as tuas mãos são flores de veludo.
suaves lilases,
rosas,
orquídeas,
papoilas, margaridas…
as tuas mãos são beijos,
as tuas mãos são bússolas,
manhãs de céu primaveril
que me abrem a porta para comprovar o sol.
as tuas mãos são os teus dedos
e os anéis de noivado e da aliança.
às vezes as tuas mãos são o sal que tempera a comida
o açúcar exacto no café
as mãos de ferro que me brune as camisas
as mãos de aço que me levantam como gruas nos momentos difíceis.
outras vezesas tuas mãos são pirómanas
porque incendeiam cada poro da minha pele
as tuas mãos também são rebeldes
mãos de carne,
de músculo e de osso,
mãos de coração arritmado
por força do compasso mútuo das nossas ancas,
mãos firmes que me fazem arder até mais não.
as tuas mãos desenham as mesmas palavras que a tua boca.
as tuas mãos escrevem cartas de amor
e nelas às vezes eu leio saudade
que é uma palavra complicada de traduzir noutras línguas
e outras mais naturais
como paz,
amor,
mãe,
irmão,
que são palavras simples sem prefixos nem sufixos,
nem aglutinações ou composições,
ou coisas demais complexas que as mãos não entendem.
as tuas mãos e as minhas nunca dirão adeus.
de mãos dadas
dizer adeus é impossível.
***
(José Miguel de Oliveira)

2 comentários:

José Miguel de Oliveira disse...

à poesia em flor... com muita honra
AQUI ESTOU!E quando de mim já nada restar propriamente, eu, José Miguel de Oliveira, aqui, também testamento o depósito da minha última vontade que espero longínqua:
Quando encontrarem tombado este tronco
ainda preso às raízes
eu deixarei o coração
para que cada um dos meus amores floresça
e pelos cabelos,
me reencontre no sol
como seu novo amante
até ser dia

pois sempre preferi guardar para mim da vida
os espinhos
e vos deixar as rosas.

Cristiana disse...

Muito obrigada por "aqui estar"!
É com a mesma honra que o recebo.

E parabéns pelos lindos poemas que escreve.