segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Passagem



Dizem-me que vai haver dias novos
Que hão de vir buscar-me
e arrastar-me por caminhos que não sei
ainda

Dizem-me que tem de ser

Mas eu
meu amor
que só conheço o tempo dos teus dedos
o tempo que se demoram na inclinação perfeita
do pensamento

[Nome que dei às sombras que te ponteiam
Nome do cheiro da tua vinda
e do tato solto dos teus olhos
sobre a promessa de mim]

eu
meu amor
sei
que não há passagem que nos valha

Sei que levarei
lágrimas embrulhadas neste ter de ser
e uma tempestade de punhos lavados
à espera de um sangue
que se demora
nos degraus do vapor que te sou

subindo-me

subindo-me e levando-te
na transparência dolente deste cansaço
de me tardares

indefinidamente

Dizem-me que vai haver dias novos
para sepultar tudo o que demorou
de mais
e não chegou a chegar

Dizem-me que tem de ser

Mas respiras-me
ainda
e temo que me morras
vivo
e que vivendo-me
me deixes ainda pulsando
a entardecer-te

indefinidamente

Porque eu sei
meu amor
que o tempo dos teus dedos
não passa
***
(Virgínia do Carmo)

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