terça-feira, 26 de junho de 2012

Porque o fim de um caminho...


Porque o fim de um caminho sempre me entregou
 o limiar de outro caminho,
 o verde de um campo ou de um corpo adolescente,
 espero que regresse à minha voz
 a luz que no primeiro dia a fecundou
 e a terra que é contorno dessa luz.
*
 Porque espero ver crescer minhas mãos dessa terra
 e de minhas mãos a água necessária à minha sede,
 ergo de mim a noite residual do que vivi
 e canto,
 canto provocando a madrugada.
*
 Porque outros entoarão meu requiem e outros cerrarão
 minhas pálpebras para defender meus olhos de suas lágrimas,
 deixo essa glória aos outros
 - e exalto o meu nascimento
 e cada dia em que renasço e procuro
 a boca ou o fruto onde se reflitam os meus lábios.
*
 Porque, harmonizando-se no sangue o fogo e a água,
 eu sou o fogo e a água:
 por mim os cadáveres
e quanto é feito da matéria dos cadáveres
 libertar-se-ão em chamas, serão claridade
 e chegarão a pão pela dádiva das cinzas,
 a última dádiva, a total.
 ***
(José Bento)

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