quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Há um ruído de asas que te é próximo



Os anjos alados 
da memória 

com as suas asas 
de pérgula 
e medronho 

a voarem noite dentro, 
pelo sonho 

Serás de branco 
despojada de tudo 
à cabeceira 

por detrás do meu ombro 
anjo mudo 

Serás de branco 
despojada de tudo, 

asas supostas 
de ti 
à minha beira 

O pássaro cintilante 
da tua nudez 
(uma matriz calada) 

Da tua nudez 

Com os teus seios 
de anjo 
sob as asas 

A tomares conta 
da memória 

És um pássaro – digo 
És um pássaro 

com penas 
cintilantes 
dos teus olhos 

As tuas asas 
de pétalas 

tecidas com a luz 
das penas 
das asas que te crescem 

Poisar um pouco 
nos parapeitos 
da memória 

antes de recomeçar 
o voo 
de regresso a casa 

Com as nossas asas 
lúcidas: 
translúcidas e pálidas 

Deixa-me voar 
por cima do teu 
colo 

até ir poisar 
na tua alma 

É a memória, 
dos teus dedos pisados 
nas asas dos meus ombros 

Entrelaçados 
Enlaçados 

Como entranças 
os sonhos 

As tuas asas de prata 
que atravessam a voar 
o território 
brando 
das minhas lágrimas 

Este 

é o inconsciente 
dos teus olhos 
de águas postas – de águas sobrepostas 

– rente 

à meiga – à mansíssima 
racha 
do teu ventre 

Em voo raso 
perto da sua boca: 

A ouvir a memória... 

Há um ruido de 
asas 
que te é próximo 

um odor a flor, 
a framboesa 

um sabor a leite 
e a morango 
numa uterina luz de penumbra acesa 

Um pouco acima 
dos teus olhos, 
como um pássaro 

a voar por dentro, 
bem por dentro 
do interior dos lábios... 

do corpo 

A parte que é 
anjo 
do teu corpo 

e me procura a meio 
da madrugada 

Sobrevoando o lago 
que é suposto 
ser no meu sono 
aquilo que calava 

A parte que é 
anjo 
do teu corpo 

e me visita 
a meio da madrugada 

descansando as asas 
dos teus ombros, 
a meu lado: 
em cima da almofada 

Voava, 
com a memória 
das asas 

no sentido inverso 
do silêncio 

e do sono 

Oiço atrás de mim, 
o breve respirar 
das tuas asas 

– quase imperceptivel – 

Um ligeiro arfar 
Como a brisa a passar
por entre as casas
***
(Maria Teresa Horta)

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