Os anjos alados 
da memória 
com as suas asas 
de pérgula 
e medronho 
a voarem noite dentro, 
pelo sonho 
Serás de branco 
despojada de tudo 
à cabeceira 
por detrás do meu ombro 
anjo mudo 
Serás de branco 
despojada de tudo, 
asas supostas 
de ti 
à minha beira 
O pássaro cintilante 
da tua nudez 
(uma matriz calada) 
Da tua nudez 
Com os teus seios 
de anjo 
sob as asas 
A tomares conta 
da memória 
És um pássaro – digo 
És um pássaro 
com penas 
cintilantes 
dos teus olhos 
As tuas asas 
de pétalas 
tecidas com a luz 
das penas 
das asas que te crescem 
Poisar um pouco 
nos parapeitos 
da memória 
antes de recomeçar 
o voo 
de regresso a casa 
Com as nossas asas 
lúcidas: 
translúcidas e pálidas 
Deixa-me voar 
por cima do teu 
colo 
até ir poisar 
na tua alma 
É a memória, 
dos teus dedos pisados 
nas asas dos meus ombros 
Entrelaçados 
Enlaçados 
Como entranças 
os sonhos 
As tuas asas de prata 
que atravessam a voar 
o território 
brando 
das minhas lágrimas 
Este 
é o inconsciente 
dos teus olhos 
de águas postas – de águas sobrepostas 
– rente 
à meiga – à mansíssima 
racha 
do teu ventre 
Em voo raso 
perto da sua boca: 
A ouvir a memória... 
Há um ruido de 
asas 
que te é próximo 
um odor a flor, 
a framboesa 
um sabor a leite 
e a morango 
numa uterina luz de penumbra acesa 
Um pouco acima 
dos teus olhos, 
como um pássaro 
a voar por dentro, 
bem por dentro 
do interior dos lábios... 
do corpo 
A parte que é 
anjo 
do teu corpo 
e me procura a meio 
da madrugada 
Sobrevoando o lago 
que é suposto 
ser no meu sono 
aquilo que calava 
A parte que é 
anjo 
do teu corpo 
e me visita 
a meio da madrugada 
descansando as asas 
dos teus ombros, 
a meu lado: 
em cima da almofada 
Voava, 
com a memória 
das asas 
no sentido inverso 
do silêncio 
e do sono 
Oiço atrás de mim, 
o breve respirar 
das tuas asas 
– quase imperceptivel – 
Um ligeiro arfar 
Como a brisa a passar
por entre as casas
***
(Maria Teresa Horta)

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