segunda-feira, 1 de setembro de 2008

...


I
Sim, farei...;
e hora a hora passa o dia...
Farei, e dia a dia passa o mês...
E eu, cheio sempre só do que faria,
Vejo que o que faria se não fez,
De mim, mesmo em inútil nostalgia.
*
Farei, farei...

Anos os meses são
Quando são muitos-anos, toda a vida,
Tudo...
E sempre a mesma sensação
Que qualquer cousa há-de ser conseguida,
E sempre quieto o pé e inerte a mão...
*
Farei, farei, farei...

Sim, qualquer hora
Talvez me traga o esforço e a vitória,
Mas será só se mos trouxer de fora.
Quis tudo -- a paz, ilusão, a glória...
Que obscuro absurdo a minha alma chora?

II
Farei talvez um dia um poema meu,

Não qualquer cousa que, se eu a analiso,
É só a teia que se em mim teceu
De tanto alheio e anónimo improviso
Que ou a mim ou a eles esqueceu...
*
Um poema próprio, em que me vá o ser,

Em que eu diga o que sinto e o que sou,
Sem pensar, sem fingir e sem querer,
Como um lugar exacto, o onde estou,
E onde me possam, como sou, me ver.
*
Ah, mas quem pode ser o que é?

Quem sabe
Ter a alma que tem?
Quem é quem é?
Sombras de nós, só reflectir nos cabe.
Mas reflectir, ramos irreais, o quê?
Talvez só o vento que nos fecha e abre.

III
Sossega, coração!

Não desesperes!
Talvez um dia, para além dos dias,
Encontres o que queres porque o queres.
Então, livre de falsas nostalgias,
Atingirás a perfeição de seres.
*
Mas pobre o sonho o que só quer não tê-lo!

Pobre esperança a de existir somente!
Como quem passa a mão pelo cabelo
E em si mesmo se sente diferente,
Como faz mal ao sonho o concebê-lo!
*
Sossega, coração, contudo!

Dorme!
O sossego não quer razão nem causa.
Quer só a noite plácida e enorme,
A grande, universal, solene pausa
Antes que tudo em tudo se transforme.
(Fernando Pessoa)

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