quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Encantamento


Vi as mulheres azuis do equinócio
voarem como pássaros cegos;
e os seus corpos sem asas afogarem-se,
devagar, nos lagosvulcânicos.
Os seus lábios vomitavam o fogo
que traziam de uma infância de magma calcinado.
A água ficava negra, à sua volta;
e os ramos das plantas submersas pelas chuvas primaveris
abraçavam-nas, puxando-as num estertor de imagens.
Tapei-as com o cobertordo verso;
estendi-as na areia grossa da margem,
vendo as cobras de água fugirem por entre os canaviais.
Espreitei-lhes o sexo por onde escorria o líquido branco de um início.
Pude dizer-lhes que as amava,
abraçando-as, como se estivessem vivas;
e ouvi um restolhar de crianças por entre os arbustos,
repetindo-me as frases com uma entoação de riso.
Onde estão essas mulheres?
Em que leito de rio dormem os seus corpos,
que os meus dedos procuram num gesto vago de inquietação?
Navego contra a corrente;
procuro a fonte, o silêncio frio de uma génese.
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(Nuno Júdice)

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