segunda-feira, 22 de março de 2010

Morto de amor


Que é aquilo que reluz
pelos altos corredores?
Fecha essa porta, meu filho,
acabam de dar as onze.
Em meus olhos, sem querer,
brilham quatro lampiões.
Talvez ainda aquela gente
esteja a polir o cobre.

*

Alho de agónica prata
o quarto minguante, põe
cabeleiras amarelas
sobre as amarelas torres.
A noite chama a tremer
a vidraça das varandas,
perseguida pelos mil
rafeiros que não a conhecem,
e um olor de vinho e âmbar
solta-se dos corredores.

*

Brisas de cana molhada
e rumor de velhas vozes
ressoavam pelo arco
quebrado da meia-noite.
Os bois e as rosas dormiam.
Somente nos corredores
as quatro luzes clamavam
com o furor de S. Jorge.
Tristonhas mulheres do vale
desciam seu sangue de homem,
tranquilo de flor cortada
e amargo de coxa jovem.
E velhas mulheres do rio
choravam ao pé do monte
um minuto intransitável
de cabeleiras e nomes.
Fachadas de cal tornavam
quebrada e branca essa noite.
Ciganos e serafins
tocavam acordeões.
Minha mãe, quando eu morrer,
que se informem os senhores.
Põe telegramas azuis
que cheguem ao Sul e ao Norte.
Sete gritos, sete sangues,
sete duplas papoulas,
quebraram opacas luas
pelos escuros salões.
Coberto de mãos cortadas
e de grinaldas de flores,
o oceano dos juramentos
ressoava, não sei onde.
E o céu batia nas portas
do brusco rumor do bosque,
enquanto as luzes clamavam
pelos altos corredores.
***
(Frederico García Lorca)

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