quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Retrato de uma princesa desconhecida


Para que ela tivesse um pescoço tão fino
Para que os seus pulsos tivessem um quebrar de caule
Para que os seus olhos fossem tão frontais e limpos
Para que a sua espinha fosse tão direita
E ela usasse a cabeça tão erguida
Com uma tão simples claridade sobre a testa
Foram necessárias sucessivas gerações de escravos
De corpo dobrado e grossas mãos pacientes
Servindo sucessivas gerações de príncipes
Ainda um pouco toscos e grosseiros
Ávidos cruéis e fraudulentos
Foi um imenso desperdiçar de gente
Para que ela fosse aquela perfeição
Solitária exilada sem destino
***
(Sophia de Mello Breyner Andresen)

2 comentários:

josé luís disse...

lamento pela princesa desconhecida
(com rima a-b-c-d sofrida)


imagino-te num castelo dourado
rodeado de fossos profundos
e muralhas intransponíveis...
imagino-te solitária à janela
à espera do príncipe encantado
contando dias, horas, segundos
imaginando raptos impossíveis
e amores românticos de donzela

Cristiana disse...

Gostei, apesar de também lamentar pela princesa desconhecida :-)

Obrigada.