sábado, 19 de abril de 2008

A flor da solidão

Vivemos
convivemos
resistimos
cruzámo-nos nas ruas
sob as árvores
fizemos porventura algum ruído
traçámos pelo ar tímidos gestos
e no entanto, por que palavras dizer
que nosso era um coração solitário
silencioso
silencioso profundamente silencioso
e afinal o nosso olhar olhava
como os olhos que olham nas florestas
No centro da cidade tumultuosa,
no ângulo visível das múltiplas arestas
a flor da solidão crescia dia a dia mais viçosa
Nós tínhamos um nome para isto
mas o tempo dos homens impiedoso
matou-nos quem morria até aqui
E neste coração ambicioso
sozinho como um homem morre cristo
Que nome dar agora ao vazio
que mana irresistível como um rio?
Ele nasce
engrossa e vai desaguar
e entre tantos gestos é um mar
Vivemos, convivemos,
resistimos
sem bem saber
que em tudo um pouco nós morremos.
(Ruy Belo)

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