segunda-feira, 28 de abril de 2008

O horizonte das palavras


Sem direcção, sem caminho
escrevo esta página que não tem alma dentro.
Se conseguir chegar à substância de um muro
acenderei a lãmpada de pedra na montanha.
E sem apoio penetro nos interstícios fugidios
ou enuncio as simples reiterações da terra,
as palavras que se tornam calhaus
na boca ou nos meus passos.
Tentarei construir a consistência num adágio
de sílabas silvestres, de ribeiros vibrantes.
E na substância entra a mão, o balbucio branco
de uma língua espessa, a madeira, as abelhas,
um organismo verde aberto sobre o mar,
as teclas do verão, as indústrias da água.
Eu sou agora o que a linguagem mostra
nas suas verdes estratégias, nas suas pontes
de música visual: o equilíbrio preenche os buracos
com arcos, colinas e com árvores.
Um alvor nasceu nas palavras e nos montes.
O impronunciável é o horizonte do que é dito.
(António Ramos Rosa)

1 comentário:

josé luís disse...

O impronunciável é o horizonte do que é dito mas as palavras de Ramos Rosa estão sempre para lá desse limite... não foi ele afinal que escreveu: «Há palavras que são sombras de árvores ou um bálsamo da terra, um pressentimento de espuma, um incêndio do tacto, uma reverência ao desconhecido»?

É quase impossível não querer estar dentro deste poema, não é?

Parabéns pelo seu blog.