terça-feira, 27 de maio de 2008

Água


A água é terra antes de estar sólida.
O homem deita-se nela à espera.
Pouco a pouco o peito torna-se podre.
É uma caverna pantanosa
que respira anéis de enxofre.
A carne dissolve-se em Iodo.
Afunda-se nos limos da terra,
húmido lume.
As águas trazem o sono.
Calcinam-nos os membros,
inflamam-nos o sangue.
Deitado em lençóis de cal
o homem desfaz-se em Iodo
e depois em sonhos.
O sangue é o combustível da luz.
As estrelas são plantas aquáticas.
A matéria mortal abre saudosa
durante a noite corolas magníficas
com pétalas de metal.
O sono mágico da água produz
nenúfares incorruptíveis,
flores frias de lume, esmeraldas.
Mergulham em cinza o seu caule.
O amor e a morte transmutam ao alto
em memória os corpos.
Vêem-se lótus.
As águas profundas reabsorvem as cinzas.
A saudade desfaz-nos o corpo em febre.
Fezes.
Sobre o lodo aparecem estrelas de oiro
círculos brilhantes de luz,
pedras brancas de sal.
(António Cândido Franco)

Sem comentários: