segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Secreta viagem


No barco sem ninguém, anónimo e vazio,
ficámos nós os dois, parados, de mão dada...
Como podem só dois governar um navio?
Melhor desistir e não fazermos nada!
*
Sem um gesto sequer, de súbito esculpidos,
tornamo-nos reais, e de madeira, à proa...
Que figuras de lenda! Olhos vagos, perdidos...
Por entre nossas mãos, o verde mar se escoa...
*
Aparentes senhores de um barco abandonado,
nós olhamos, sem ver, a longínqua miragem...
Aonde iremos ter? - Com frutos e pecado,
se justifica, enflora, a secreta viagem!
*
Agora sei que és tu quem me fora indicada.
O resto passa, passa... alheio aos meus sentidos.
- Desfeitos num rochedo ou salvos na enseada,
a eternidade é nossa, em madeira esculpidos!
***
(David Mourão-Ferreira)

1 comentário:

OceanoAzul.Sonhos disse...

que bonito poema, perco-me aqui...
Abraço

OA.S