Conta a lenda que dormia
Uma Princesa encantada
A quem só despertaria
Um Infante que viria
De além do muro da estrada
*
Ele tinha, que , tentado
Vencer o mal e o bem,
Antes que, já libertado,
Deixasse o caminho errado
Por o que à Princesa vem.
*
A Princesa Adormecida,
Se espera, dormindo espera.
Sonha em morta a sua vida,
E orna-lhe a fronte esquecida,
Verde, uma grinalda de hera.
*
Longe o Infante, esforçado
Sem saber que intuito tem,
Rompe o caminho fadado.
Ele dela é ignorado
Ela pra ele é ninguém.
*
Mas cada um cumpre o Destino
- Ela dormindo encantada,
Ele buscando-a sem tino
Pelo processo divino
Que faz existir a estrada.
*
E, se bem que seja obscuro
Tudo pela estrada fora,
E falso, ele vem seguro
E, vencendo estrada e muro,
Chega onde em sono ela mora.
*
E, inda tonto do que houvera,
À cabeça em maresia,
Ergue a mão , e encontra hera
E vê que ele mesmo era
A Princesa que dormia.
***
(Fernando Pessoa)
2 comentários:
lembro-me como se fosse hoje de estudar este poema no liceu...
(boas recordações)
quanto à princesa e à "vontade de naufragar" do seu infante, quem é que disse: "não deixará de ser apenas tentação passando a ser uma vontade a cumprir, uma meta a alcançar?" - é que por vezes a meta esteve sempre aqui, mesmo dentro de nós.
Visse eu as coisas como você parece ver... rs
A meta pode até estar, mas... parece haver sempre um "mas" a empatar.
:-)
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