quinta-feira, 19 de novembro de 2009

A canção possível


Poderei ainda, amor, cantar
o exercício da insuportável ternura
sem que a vida sucumba
às cicatrizes do passado?
*
Por mais que digamos,
as nossas bocas morrendo uma na outra,
entre espasmos,
ainda a rosa é pálida
e os nossos dedos não passarão de mendigos
que se tocam na espuma dos dias.
*
Por mais que digamos,
as palavras jamais saberão o caminho
que lhes é devido,
o caminho das flores do silêncio
esse o único que salva o amor,
cravando-o na boca de Deus.
*
É noite, ainda, meu amor,
e a lua vem beijar-te os ombros
o teu corpo procura o lugar do meu,
como se nenhum outro coubesse dentro dele
antigo como a noite.
*
E os dedos serão ainda em torno da luz,
buscando a chama, o fruto,
a ferida que as tuas palavras
rasgaram no meu corpo
em volta dessa insuportável ternura.
***
(Maria João Cantinho)

3 comentários:

josé luís disse...

entendo a ferida que as palavras rasgam num corpo - mas também a cura que sentimos quando lemos algumas... como estas.
(belo poema)

Cristiana disse...

Não vou voltar a dizer o que acho dos seus comentários porque seria repetir-me.
Digo-lhe apenas que tenho vindo a confirmar que há quem consiga fazer poesia até mesmo "sem querer".

Obrigada :-)

Cristiana disse...

Li o comentário que deixou...

Se entende que não se agradece, pois que assim seja.
Fazia-o por educação, apenas isso.